1987
O ano de 1987 foi marcado pelo arranque dos ENCONTROS ACARTE- Novo Teatro/Dança da Europa, um festival internacional co-organizado por George Brugmans (SpringDancefestival, Holanda), Roberto Cimetta (Inteatro Polveriggi, Itália) e Madalena Perdigão do Serviço ACARTE (com o apoio de Carlos Wallenstein, do Serviço de Belas Artes). A realização deste festival, como a de vários dos ciclos de dança que tiveram lugar em 1987, foi fruto das cartas que a Directora do ACARTE tinha enviado dois anos antes a uma série de instituições europeias, mostrando o interesse em apresentar em Lisboa pequenos espectáculos de dança. Como se verá na Caixa sobre os Encontros ACARTE 87, esta vontade de Madalena Perdigão cruzou-se com o aparecimento do Informal European Theatre Meeting [IETM], uma rede informal de profissionais das artes performativas que acompanhou um momento de redefinição das artes performativas na Europa e particularmente da dança – momento que intersectou a ênfase colocada por Bruxelas na construção cultural da Europa.
Assim, no segundo ano consecutivo em que a performance-arte tout court deixou de pontuar a programação do ACARTE, vários e multiformes foram os ciclos que o Serviço dedicou à dança, como o ciclo de Dança Contemporânea Europeia, em Fevereiro; o Ciclo Dança no Anfiteatro ao Ar Livre, em Julho; os ENCONTROS ACARTE – Novo Teatro/Dança da Europa, em Setembro; ou o Ciclo Aspectos da Dança Contemporânea, em Novembro.
A polémica em torno do teatro de texto vs teatro/dança ou teatro visual marcou o ano, acompanhando a referida transformação na estética e nos modos de produção dos espectáculos, num crescendo em que porventura o ponto mais alto foram os já referidos ENCONTROS ACARTE 87. Dado o quadro cultural português tal como apresentado na segunda parte desta dissertação, neste caso em particular no que ao teatro e à dança diz respeito, este debate dotou-se aqui de uma série de características específicas, como se terá oportunidade de ver e como se discute em profundidade no epílogo. A imprensa cobriu e comentou amplamente a iniciativa, o que constituiu uma ocasião privilegiada para o aparecimento de novos especialistas e críticos culturais.
O ano de 1987 arrancou com um ciclo de homenagem a Frederico Garcia Lorca – autor que muito impressionou Madalena Perdigão nos seus tempos de Coimbra, onde teve ocasião de ver A Casa de Bernarda Alba antes de a representação ser proibida pela censura. Neste ciclo, é de assinalar a estreia de Nuno Carinhas na encenação e a continuação do trabalho de Constança Capdeville e do Colecviva no âmbito do ACARTE. Outro momento da programação teatral portuguesa protagonizado pelo ACARTE em 1987 foi a apresentação de Hamlet, texto não encenado em Portugal há mais de 50 anos, e então levado à cena numa encenação de Carlos Avilez para a tradução de Sophia de Mello Breyner no âmbito de um ciclo que abarcou várias áreas.
Variadas foram igualmente as propostas multidisciplinares pontuais a que o Serviço teve oportunidade de responder, como a colaboração entre o pintor Pedro Calapez e o músico Nuno Vieira de Almeida ou os experimentais e tecnológicos Touch Monkeys, com dois intérpretes humanos e 18 músicos-robôs.
De facto, a acção do Serviço – que neste ano manteve e solidificou uma série de iniciativas regulares em temporadas certas – não deixou por isso de responder a propostas externas visando a contemporaneidade, como foi o caso do ciclo A Arquitectura e a Cidade – Propostas Recentes; nem de lançar convites para actividades pontuais, como o colóquio sobre Literatura Popular Portuguesa e Teoria da Literatura Oral, Tradicional e Popular, que aconteceu já perto do final do ano, ou o ciclo As Festas – em que se indagaram as principais festividades populares portuguesas.
Neste ano de 1987 continuaram iniciativas cujo sucesso ao longo dos dois anos anteriores se tinha afigurando inequívoco – como foi o caso dos Concertos à Hora do Almoço, da Festa Europeia da Música, das Bandas de Música ou do Jazz em Agosto – mas reforçaram-se, porém, actividades que nos anos anteriores se esboçavam já, casos da Dança no Anfiteatro ao Ar Livre, em Julho, (a partir daí com essa designação), ou dos ciclos de dança no último trimestre do ano, sob a denominação genérica Aspectos da Dança Contemporânea.
A colaboração com o CAM teve em 1987 alguns momentos importantes: a organização em Madrid de uma série de conferências e leituras encenadas por ocasião de uma exposição no Museu Espanhol de Arte Contemporánea de Madrid, à época ainda no Círculo de Bellas Artes, mais tarde Centro de Arte Museu Reina Sofia ; e a organização do colóquio A Fotografia como Arte/A Fotografia como Suporte, mantendo o interesse do Serviço por este forma de arte, a ecoar ainda o colóquio O Preto e o Branco, realizado dois anos antes; e a organização de um colóquio e de uma série de actividades por ocasião da grande retrospectiva de Amadeo de Souza Cardoso, iniciativa de grande sucesso levada a cabo pelo CAM. Meses mais tarde, no balanço final da actividade cultural do ano, a imprensa, colocando em paralelo a retrospectiva de Amadeo de Souza Cardoso, e o impacto dos ENCONTROS ACARTE 87, sublinhou a função da Fundação Calouste Gulbenkian enquanto ‘palco’ para a disseminação das vanguardas estéticas, ressalvando o seu papel como aquilo a que se tem vindo a chamar cenário de modernidade.
E se em 1987 o foco da programação foi sobretudo Europeu, nem por isso o resto do mundo foi esquecido, como o provou o ciclo de marionetas chinesas, o ‘delicious mouvement’ dos bailarinos e coreógrafos japoneses radicados em Nova Iorque, Eiko and Koma, ou o encontro com o poeta brasileiro Murilo Mendes.
Perto já do final do ano, o Serviço repetiu o polémico Ciclo de Música Improvisada, dando desta forma continuidade a uma conversa iniciada alguns anos antes, com pontos expressivos tanto nas edições do Jazz em Agosto 1985 e 1986 como na edição anterior do referido Ciclo de Nova Música Improvisada.
Por último, a tradicional actividade infantil de Dezembro passou, em 1987, pela apresentação de filmes de animação com personagens da banda desenhada franco/belga. Num tempo em que poucas casas tinham leitores de vídeo Betamax ou VHS, a projecção em sala de filmes com o Tintim, o Astérix e os Estrumpfes era muito apreciada.
E o ano de 1987 terminou com o ciclo Arte e Tecnologia, onde se propuseram três dias de debate mas também actividades paralelas como um espectáculo de “música espacial”, uma exposição de hologramas e outra de fractais, ou ainda uma “demonstração da interacção entre um computador e arte”.