O programa do ACARTE

 

Madalena Perdigão esboça em 1984 o programa do ACARTE, descrevendo área e  o âmbito de actuação do Serviço. Este programa foi, na sua generalidade, cumprido.

 

PROGRAMA

1. O QUE VAMOS SER
Vamos correr riscos, vamos cometer erros. Vamos permitir que outros corram riscos e cometam erros.
Vamos ser um fórum aberto para discussão dos problemas da cultura.
Vamos ser um local de encontro de artistas.
Vamos estar abertos à inovação e à experimentação.
Vamos ser exigentes na qualidade artística e na disciplina do trabalho.
Vamos procurar estabelecer um contacto estreito com o público, que apetecemos crítico e não apenas consumidor.
Vamos promover a colaboração entre si de compositores, intérpretes musicais, directores teatrais, actores, coreógrafos, bailarinos, artistas plásticos e gráficos para criarem obras multidisciplinares.
Vamos ser um espaço vivo, em que se passa de uma exposição a um espectáculo de teatro ou de dança, em que se assiste a um concerto e se fica para a projecção de um filme ou para a leitura de um poema, em que se participa num espectáculo em que tudo isso acontece ou em que tudo pode acontecer.

2. EM QUE ACREDITAMOS
Que a Arte é essencial à Vida.
Que a Arte é uma forma imperativa da Educação.
Que é fonte do progresso individual e social.
Que é factor de aproximação entre os homens e de Paz.
Que todos devem ter acesso à Arte, nas suas múltiplas formas.

3. O QUE NÃO VAMOS SER NEM FAZER
Não vamos preferenciar escolas ou correntes estéticas.
Não vamos adoptar conceitos estreitos de nacionalismo estéril.
Não vamos ter preconceitos quanto a géneros artísticos nem quanto a formas de expressão consideradas mais ou menos nobres.
Não vamos ter companhias residentes.
Não vamos confinar-nos nos espaços do Centro de Arte Moderna mas sim abrir-nos à itinerância no País e no estrangeiro.
Não vamos competir com iniciativas de outras entidades, de dentro ou de fora da Fundação Calouste Gulbenkian, mas sim preencher lacunas eventualmente existentes.

4. O QUE PRETENDEMOS FAZER

4.1. No TEATRO
Produções próprias, no caso de projectos multidisciplinares.
Colaboração com Companhias ou Grupos portugueses (incluindo a possibilidade de coprodução), designadamente com Companhias ou Grupos com características de itinerância.
Apresentação de pequenas Companhias ou Grupos de teatro estrangeiros.
Promoção de jovens autores, privilegiando projectos com características de pesquisa.
4.2. Na DANÇA
Produções próprias, no caso de projectos multidisciplinares.
Apresentação de séries de espectáculos por grupos de dança portugueses independentes.
Sessões de trabalho com personalidades estrangeiras e portuguesas culminando em espectáculos.
Apresentação de pequenas Companhias ou grupos de dança estrangeiros de vanguarda.

4.3. No CINEMA
Apresentação de filmes de arte.
Organização de sessões de filmes para crianças.
Apresentação de filmes de animação.
Organização de ciclos, designadamente do Novíssimo Cinema.
Projecto de formação de realizadores de filmes de animação em colaboração com o Royal College of Art, Londres.

4.4. Na MÚSICA
Concertos informais à hora do almoço para apresentação de jovens intérpretes.
Concertos de jazz na Sala Polivalente e no Anfiteatro ao Ar Livre.
Séries de concertos de música contemporânea.
Bandas e música popular no Anfiteatro ao Ar livre.
Promoção de jovens compositores.
Projectos interdisciplinares.

4.5. Na LITERATURA
Projectos interdisciplinares.Séries de palestras.‘Escritores falam de si próprios e da sua obra’.
Leituras comentadas de obras literárias. Exposições bio-bibliográficas.

4.6. Nas ARTES PLÁSTICAS e na ARQUITECTURA
Promoção de jovens artistas.
Projectos interdisciplinares.
Exposições temáticas e Exposições didácticas.
Apresentação de manifestações de arte contemporânea e de resultados de pesquisas actuais.

4.7. E ainda VÍDEO, FOTOGRAFIA, MÍMICA, CIRCO, MARIONETAS, etc.
Maria Madalena de Azeredo Perdigão, Maio 1984

O que vamos ser
“O que vamos ser. Vamos correr riscos, vamos cometer erros. Vamos permitir que outros corram riscos e cometam erros. Vamos ser um fórum aberto para a discussão dos problemas da cultura”, declara Maria Madalena de Azeredo Perdigão a 17 de Maio de 1984 lendo o programa que esboçou para o novo Serviço daa Fundação Calouste Gulbenkian. Esta cena, momento fundador do ACARTE, passa-se no recém-inaugurado Centro de Arte Moderna.
“Vamos ser um local de encontro de artistas. Vamos estar abertos à inovação e experimentação. Vamos ser exigentes na qualidade artística e na disciplina do trabalho. Vamos procurar estabelecer um contacto estreito com o público que apetecemos crítico e não apenas consumidor. Vamos promover a colaboração entre si de com- positores, intérpretes musicais, directores teatrais, actores, coreógrafos, bailarinos, artistas plásticos e gráficos para criarem obras multidisciplinares. Vamos ser um espaço vivo, em que se passa de uma exposição a um espectáculo de teatro ou de dança, em que se assiste a um concerto e se fica para a projecção de um filme ou para a leitura de um poema, em que se participa num espectáculo em que tudo isso acontece ou em que tudo pode acontecer.”
O discurso é feito no plural. Madalena Perdigão fala em nome de um Serviço que se constitui simultaneamente enquanto lugar de enunciação, espaço físico e entidade promotora, assente numa posição ético-estética. O tom é a um só tempo programático, de declaração de princípios e de manifesto. Alguns anos mais tarde, a este texto justapor-se-ão as adendas PORQUÊ e PARA QUÊ, nas quais se acrescentará que se «tornava necessário assegurar ao Centro de Arte Moderna a possibilidade de ser não apenas um Museu na acepção restrita do termo mas também um centro de cultura», como é possível ler em 1989 na brochura bilingue de apresentação do ACARTE (Perdigão 1989).

PORQUÊ
Fazia falta no panorama cultural português um Serviço voltado para a cultura contemporânea e/ou para o tratamento moderno de temas intemporais, assim como um Centro de Educação pela Arte dedicado às crianças.
Tornava-se necessário assegurar ao Centro de Arte Moderna, criado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 22 de Agosto de 1979 e inaugurado em 20 de Julho de 1983, a possibilidade de ser não apenas um Museu na acepção restrita do termo mas também um centro de cultura.

PARA QUÊ
1. Contribuir para a comunicação entre a obra de arte e o público e para a sua divulgação, através da ‘animação’; para o incremento da ‘criação artística’, para o progresso da ‘educação pela arte’.

Pela mesma altura, também em 1989, ano que acabará por ser o último da direcção de Madalena Perdigão, discutia-se na sala polivalente do ACARTE se a actuação continuada deste Serviço, «ao longo dos seus cinco anos de existência, modificou ou não o gosto dos portugueses»[1]. Despontava a sociologia da cultura no país e o colóquio Operações do Gosto, em organização do sociólogo Orlando Garcia, interrogava a acção de instituições como a Casa de Serralves, a cooperativa Árvore, o Ar.Co, ou, claro, o Serviço ACARTE, anfitrião do evento.
Em Dezembro de 2003, o ACARTE foi definitivamente extinto, por determinação do Conselho de Administração, que considerou que «todo um programa inicial relacionado com práticas artísticas performativas» tinha sido na generalidade cumprido, que «as mesmas tinham alterado o panorama nacional destas mesmas práticas, que tinha sido um modelo adoptado e desenvolvido por outras instituições, um pouco por todo o país»Catorze anos separam estes balanços sobre a actividade do ACARTE: se na primeira se trata de uma reflexão interna levada a cabo por Madalena Perdigão em jeito de resposta a uma pergunta externa, de Orlando Garcia, já a segunda prende-se com uma avaliação interna, levada a cabo pelo Conselho de Administração, em modo de afirmação. Nas duas se trata de avaliar retrospectivamente a importância do ACARTE. Em 1989, discute-se de que modo a sua acção alterou ogosto geral dos portugueses. Em 2003, constata-se que houve todo um programa inicial relacionado com artes performativas que foi cumprido e que funcionou como modelo para outras instituições do país. Entre estas duas afirmações se situou o que se pretendeu abordar.

[1] Ver ciclo Operações do Gosto
[2] Ver Fundação Calouste Gulbenkian (2007, 382).

 

ACARTE’s PROGRAMME

1. WHAT WE SHALL BE

We shall take risks, we shall make mistakes. We shall allow others to take risks and make mistakes.
We shall be an open forum for the discussion of cultural problems
We shall be a meeting place for artists.
We shall be open to innovation and experimentation.
We shall be demanding in terms of the works’ artistic quality and discipline. We shall try to keep a close contact with the public, and we want them to be a critical, rather than merely consuming, public.
We shall foster the collaboration between composers, musicians, theatre directors, actors, choreographers, dancers, visual artists and graphic designers to create multidisciplinary works. We shall be a living space, where you go from an exhibition to a theatre or dance show, where you watch a concert and stay for the screening of a film or for the reading of a poem, where you take part in a show where all this happens or where anything can happen.

1. WHAT WE BELIEVE
That Art is essential to Life.
That Art is an imperative form of Education.
That it is the source of individual and social progress.
That it is a factor in bringing people together and bringing about Peace. That everyone should have access to Art in its multiple forms.

1. WHAT WE SHALL NOT BE OR DO
We shall not give preference to specific schools or aesthetic currents. We shall not adopt narrow concepts of sterile nationalism.
We shall not have any bias towards artistic genres or forms of expression deemed more or less noble. We shall not have resident companies.
We shall not restrict ourselves to the spaces of the Modern Art Centre but rather open ourselves to an itinerant presence both in the country and abroad.
We shall not compete with initiatives from other institutions, inside or outside the Calouste Gulbenkian Foundation, but fill in any gaps that may exist.

4.WHAT WE AIM TO DO
4.1. In the THEATRE
In-house productions of multidisciplinary projects.
Collaboration with Portuguese Companies or Groups (including co-productions), namely with itinerante Companies or Groups. Presentation of small foreign companies or theatre groups. Promotion of young authors, favouring research-based projects.

4.2. In DANCE
In-house productions of multidisciplinary projects
Presentation of series of shows by independent Portuguese dance groups. Working sessions with foreign and Portuguese key figures leading to performances.
Presentation of small foreign avant-garde companies or dance groups.

4.3. In CINEMA
Screening of art film.
Organisation of film screenings for children.
Screening of animated films.
Organisiton of cycles, namely of Contemporary Cinema.
Project for an Animated Film direction course in collaboration with the Royal College of Art, London.

4.4. In MUSIC
Informal lunchtime concerts featuring young musicians. Jazz concerts in the Mutipurpose Room and in the Open Air Amphiteatre. Contemporary Portuguese music concerts. Fanfare Bands and Popular music concerts in the Open Air Amphitheatre. Promotion of young composers. Interdisciplinary Projects.

4.5. In LITERATURE
Interdisciplinary Projects. Conference series.
«Writers talk about themselves and their work». Commented reading of literary works. Bio bibliographical exhibitions.

4.6. In the VISUAL ARTS and ARCHITECTURE
Promotion of young artists. Interdisciplinary artists. Thematic and didactic exhibitions. Presentation of contemporary art pieces and current research outcomes.
4.7. And also VIDEO, PHOTOGRAPHY, MIME, CIRCUS, PUPPETRY, etc.
The Calouste Gulbenkian Foundation’s relevant departments and services, in particular the Centre of Modern Art, will be key consultants in all the activities of the Animation, Artistic Creation and Education Through Art Department, which has requested the collaboration of these services, as much as possible and necessary, for the execution of its programme.

Lisbon, 13 May 1984 (Maria Madalena de Azeredo Perdigão)

What we shall be
WHAT WE SHALL BE. We shall take risks, we shall make mistakes. We shall allow others to take risks and make mistakes. We shall be an open forum for the discussion of cultural problems» – Maria Madalena de Azeredo Perdigão writes on 17 May 1984. This scene, the founding moment of the ACARTE, takes place at the recently opened Modern Art Centre of the Calouste Gulbenkian Founda- tion in Lisbon, with the presence of journalists, artists and FCG staff. At the same time, the Almada Negreiros project is announced as the first initiative of the ACARTE Department. The press, particularly the newly created cultural supple- ments, are called to attend the occasion, and journalists, artists and Foundation employees are among the public.” Sitting at the conference table are Madalena Perdigão, director of ACARTE, José Sommer Ribeiro, director of CAM and Margarida Acciaiouli and Isabel Guedes, from the Documentation and Research Departments of the Museum of Modern Art. Madalena Perdigão continues to read aloud from the first point of ACARTE’s programme:
We shall be a meeting place for artists. We shall be open to innovation and experipline.We shall be a meeting place for artists. We shall be open to innovation and experimentation.We shall try to keep a close contact with the public, and we want them to be a critical rather than merely a consuming public. We shall foster the collaboration between composers, musicians, theatre directors, actors, choreographers, dancers, plastic artists and graphic designers to create multidisciplinary works. We shall be a living space, where you go from an exhibition to a theatre or dance show, where you watch a concert and stay for the screening of a film or for the reading of a poem, where you take part in a show where all this happens or where anything can happen. (Perdigão 1984a)
Madalena Perdigão’s discourse uses the first-person plural. She speaks in the name of a Department that establishes itself as, at one and the same time, a place of enunciation, a physical space and an organising entity, taking on a stance that is both ethical and aesthetic. The tone is simultaneously that of a programme, of a declaration of principles and of a manifesto.
A few years later, the addenda WHY and WHAT FOR are added (Perdigão 1989). There, one reads that «it became necessary to offer the Modern Art Centre […] the possibility of being not only a Museum, in the narrow sense of the term but also a cultural centre», as we can read in the 1989 bilingual leaflet that pre- sented the ACARTE (Perdigão 1989).
«WHY»
The Portuguese cultural scene was lacking a Department focused on contemporary culture and/or on a modern approach to timeless themes, as well as a Centre for Education through art aimed at children.
It became necessary to offer the Modern Art Centre, created by the Calouste Gul- benkian Foundation on 22 August 1979 and inaugurated on 20 July 1983, the possibility of being not only a Museum, in the narrow sense of the term, but also a cultural centre.31
«WHAT FOR»
1. To contribute to the communication between the work of art and the public and to the former’s dissemination through forms of «animation»; to the development of «artistic creation», to the progress of «education through art».
In this same period, also in 1989, which would be Madalena Perdigão’s final year as a director, there was a debate in the ACARTE multipurpose room about whether the continuous actions of this, «throughout its five years of existence, had changed the taste of the Portuguese».32 Sociology of culture was taking its first steps in Portugal and the conference under the title Operações do Gosto (Operations of Taste), organised by the sociologist Orlando Garcia, examined the action of in- stitutions like Casa de Serralves, the Árvore cooperative, the independente art school Ar.Co, or, of course, the ACARTE, which hosted the event.
In December 2003, the ACARTE was definitively extinguished by decision of the FCG Board of Directors, who considered that «the initial programme, fo- cused on performing art practices», had been fulfilled, on the whole, and that this «had changed the national landscape of these same practices, becoming a model adopted and developed by other institutions, across the country».33
Fourteen years separate these two assessments of the ACARTE’s activity: while the first one is an internal evaluation by Madalena Perdigão, answering a question in the form of another question, the latter is an external appraisal by the Board of Directors, in the affirmative. In both cases, it is a matter of retrospectively assessing the importance of the ACARTE. In 1989, the discussion revolves around how the ACARTE had changed the general taste of the Portuguese. In 2003, it is argued that an initial programme focused on the performing arts was not only fulfilled but came to serve as a model for other institutions in the country. This work’s subject matter lies in the interval between these two statements.

[1] Operações do Gosto, 1989
[2] Fundação Calouste Gulbenkian (2007, 382)