1988
Em apenas quarto anos, o salto de produção própria, de capacidade de programação e de reconhecimento público na imprensa da acção do ACARTE foi imenso. No ano de 1988, não só o ACARTE e as suas actividades mais regulares pareciam estar bem implementadas, como o Serviço parecia ser visto como ‘fazendo parte’: na imprensa sucediam-se as avaliações e iniciativas com apenas um ano – como foi o caso dos ENCONTROS ACARTE – afiguravam-se bem enraizadas, constituindo como que um prólogo da actividade cultural Lisboeta.
Mas 1988 foi também um ano sem precedentes na história da dança em Portugal, sobretudo em Lisboa, com iniciativas sucessivas, tanto em organização do ACARTE, que propôs uma série de ciclos temáticos, o mais das vezes por nacionalidade (ex. dança contemporânea Brasileira, Alemã…), como em termos de apresentações de novos grupos e coreógrafos que entretanto começavam a emergir, caso da Companhia de Dança de Lisboa, de Rui Horta, mas sobretudo de agrupamentos como o Dança Grupo ou jovens coreógrafos como Margarida Bettencourt ou Vera Mantero. Para José Sasportes, responsável pela organização do colóquio produzido pelo ACARTE, Perspectivas da Dança em Finais do Século XX, foi este o momento em que, até então, “a dança atravessa[va] o período mais próspero da sua história, [mesmo que] ainda com tanto para caminhar”. O que é a vários títulos surpreendente, se se tiver em conta como apenas dois anos antes, em 1986, nos programas do ACARTE se dava conta da fragilidade da área.
E se este ano a actividade do Serviço se continuou a assumir como tendo ímpetos formativos (a imprensa tratou amplamente o papel ‘didáctico’ de Madalena Perdigão, da Gulbenkian e do ACARTE: o caso da dança contemporânea ou do cinema de animação foram, a esse respeito, emblemáticos), poder-se-ia igualmente dizer que em 1988 o Serviço pareceu concentrar mais esforços (e orçamentos) a acolher produções próprias, algumas com equipas grandes – tanto nacionais como internacionais ou em co-produção, no caso de alguns espectáculos dos ENCONTROS ACARTE que tiveram neste festival a sua estreia mundial.
Continuando muito embora a sua política de apresentação regular de propostas vindas já de trás, e lançando mesmo novas iniciativas, como os acorridos Jornais Falados de Actualidade Literária, em organização do PEN-CLUBE, o ritmo de actividades em 1988 pareceu adensar-se exponencialmente, sobretudo tendo em conta que durante as apresentações regulares havia uma série de espectáculos e produções em ensaio (seria necessário ter acesso aos mapas de ensaios e aos períodos de produção, com distribuição por sala, para se ter uma dimensão mais exacta).
E se os ENCONTROS ACARTE 1988 se afiguraram como um evento incontornavelmente lisboeta, eles são também notoriamente europeus, parte integrante de uma jovem ‘cena’ das artes performativas da época que se reuniu em Lisboa em Setembro de 1988 – num momento em que a retórica da diplomacia cultural do país se orientava para a Europa, termo bastante contestado (ver caixa EA87).
O ano começou com o encerramento do ciclo Arte e Tecnologia, numa das frequentes apostas artísticas que depois se revelaram polémicas aquando da apresentação pública, como foi o caso da peça “O Lagarto de Âmbar”.
Se iniciativas já com formato e público próprios se mantiveram bem sucedidas, o ACARTE continuou a entrar por áreas ainda pouco exploradas e tidas como necessitando do apoio de reconhecimento que as apresentações públicas no âmbito da sua acção podia trazer. Foi o caso das músicas do mundo que não se resumiam a clichés comerciais, explorados via Nova Iorque ou Paris, como foi neste mesmo ano o caso de Mory Kanté, com o sucesso de vendas “Ye ke ye ke”. Foi dessa forma, e no seguimento de experiências como a apresentação de Maria Rodriguez no ciclo Viva Venezuela!, que o ACARTE começou a programar anualmente o ciclo Vozes do Mundo, que acolheu uma série de nomes fundamentais como Nusrath Fateh Ali Khan (Paquistão), Ali Farka Touré e Jali Musa Jawara (Mali) e ou Light Blues (Grã-Bretanha).
Mas, ainda em 1988, o cinema de animação viu a sua actividade consolidada pela criação de um atelier regular com orientação de José Pedro Carvalheiro e Luís Correia, a partir de onde se foram propostos uma série de cursos , dando uso ao equipamento comprado por ocasião do primeiro curso, e à já larga experiência acumulada pelos seus participantes; e foi lançada a edição ACARTE relativa à Quinzena de Artes e Letras dos PALOPS, de 1985. Mas 1988 foi também um ano em que, se por um lado os Bonecos de Santo Aleixo regressaram ao ACARTE sendo entendidos como património português a preservar, por outro, se discutiram os caminhos recentes do teatro europeu, tendo a Holanda do Mickery Theatre e do Saffy Thetre nos Anos 1960 e 1970 como exemplo – e vendo as suas repercussões na cena teatral dos Anos 1980, assumindo a Holanda e a sua política cultural de apoio público e descentralização como um exemplo a seguir.
Com mais incidência ainda, sucederam-se as discussões sobre a história e os caminhos recentes da dança, revisitando tendências por vezes com mais de meio século, caso, por exemplo, da dança expressionista alemã, ou percursos mais recentes, casos do Brasil ou da Austrália, a propósito dos quais se tratou de localizar estéticas, influências e modos de produção.
Os Concertos à Hora do Almoço revelaram o efeito continuado de iniciativas como os Cursos O Teatro Musical e o Intérprete Hoje, de Constança Capdeville, que divulgavam novos agrupamentos e o trabalho de novos intérpretes, sempre fruído no habitual ambiente informal e descontraído que era seu apanágio. Continuaram também iniciativas como a apresentação de Bandas no Anfiteatro ao Ar Livre e actividades pontuais, como o acolhimento do II Curso de Finalistas em Moda do IADE, a apresentação do XI Encontro de Coros Amadores da Área de Lisboa ou a apresentação de O Pássaro Verde, de Carlo Gozi, pela companhia Os Comediantes, do Porto.