Sobre
A propósito da pertinência de Almada, um Nome de Guerra, e de Ernesto de Sousa no projecto Almada e no ACARTE Madalena Perdigão reafirma que “a revisão crítica da cultura e da arte portuguesas continua a ser necessária”.
O nome de Ernesto de Souza surgiu logo como indispensável, ao programar-se o ciclo de manifestações que haveria de complementar a Exposição retrospectiva da obra plástica de “Mestre” Almada a realizar no Centro de Arte Moderna, comemorando o primeiro aniversário da sua inauguração.
Indispensável a presença de Ernesto de Sousa e indispensável também a apresentação do espectáculo multimédia de sua autoria intitulado Almada, Um Nome de Guerra. Razões? O estudo intensivo da obra e da personalidade almadinas a que procedeu Ernesto de Sousa, ao longo de mais de uma dezena de anos, documentado, entre outros, pelo seu livro, recentemente lançado, RE COMEÇAR. Almada em Madrid. A posição que assumiu, ao conceber o filme/espectáculo, de transcender os objectivos primeiros do filme, para atingir os seus objectivos últimos, que são, segundo as próprias palavras do autor: «uma revisão crítica da cultura e da arte portuguesas, com base numa das mais extraordinárias das suas personalidades primeiras, o romancista, poeta, pintor e ensaísta Almada Negreiros… A revisão crítica da cultura e da arte portuguesas continua a ser necessária. Todas as achegas são úteis. Daí o interesse desta apresentação de Almada, Um Nome de Guerra.
Agosto de 1984
Maria Madalena de Azeredo Perdigão
Madalena Perdigão evoca nesta introdução um texto de Ernesto de Sousa de 1969, republicado, também ele, no programa do espectáculo. Neste, Ernesto Sousa explica Almada não como “um fim, um objectivo, mas como princípios” :
(…) Mas afirmamos que o-filme-que-se-está-fazendo, na expressão feliz do Vítor Silva Tavares, a que chamaremos ALMADA – UM NOME DE GUERRA, pretende ser mais do que um filme. Poderíamos simplesmente acrescentar que o filme, o fazer-do-filme, pretende primordialmente provocar um processo, o Processo descrito. E desde logo nos colocávamos numa posição polémica: o filme, em si, não interessa ou interessa pouco. Importa porém explicar que não se trata de uma pretensão de circunstância, que ela corresponde a preocupações de fundo, e que, invertendo os factores, o filme, o próprio Almada Negreiros, constituem, para mim, originária e principalmente, não um fim, um objectivo, mas princípios. Que princípios e para principiar o quê? O princípio de uma revisão crítica da cultura e da arte portuguesas, com base numa das mais extraordinárias das suas personalidades primeiras, o romancista, poeta, pintor e ensaísta Almada Negreiros?
Certamente. Isso é o que já está em curso, e que poderá concretizar-se utilmente com a publicação de um livro colectivo, e com o próprio filme – o qual, como já foi anunciado, pretende assumir um carácter crítico. Mas na verdade, e mea culpa, as nossas ambições são maiores. Pretendemos com este filme pôr em causa os próprios fundamentos do que se tem considerado ser o cinema e a própria arte. Uma atitude de anticinema não é original mas é necessária, e talvez seja original e necessária entre nós. Com efeito, enquanto, hoje, certas questões, outrora estéticas, se tornam adultas e responsavelmente… éticas, vive-se em Portugal, relativamente ao cinema, pelo menos, num infantilismo pseudo-neo-romantico de amor-pelo-cinema que oscila entre a ignorância e a inconsciência (para não falar no carreirismo, que é outra história). Para dar um exemplo só: o amor-pelo-cinema e o desprezo-pelo-teatro, tão comum entre os nossos – jovens – cineastas. Depois de Brecht, e da sua repercussão, apaixonante e discutível, na obra de um Godard; depois dos “happenings” e do “Action Theatre”; depois de toda a revolução e meditação propostas pelos dadaístas e neodadaístas, e propostas também, num outro meridiano, pela Bauhaus e sua geração; depois de toda esta evidência de uma alteração necessária da nossa relação objectiva com o mundo, tal desprezo-pelo-teatro se não é oportunismo, pode reduzir-se a um triste caso de provincianismo pacóvio, e, geralmente, pedante. Ora não se trata de’ estar “à la page”, de acertar o relógio com o que se faz lá fora. Falamos de necessidade, e podemos acrescentar, de necessidade urgente e inadiável. Para a cultura portuguesa, desconexa, desligada e inimiga de si própria, a modernidade tornou-se não uma ilustração gostosa mas a única saída, se não nos queremos todos resignar, escritores, artistas plásticos, cineastas, e outros, a meros epígonos, a curiosos macacos habilidosos. Com efeito, enquanto nos afundamos a olhos vistos numa sociedade de consumo paradoxalmente inquinada de camponeses aculturados, os nossos homens de cultura afastam-se da sua própria realidade, e – no caso do cinema – não só se conformam com uma informação eleita conformisticamente (género “Cahiers du Cinema”), como se barricam numa obsoleta especialização, exactamente como se ainda estivéssemos no tempo em que era necessário lutar pela categoria “artística” do cinema: o tempo da “7ª Arte”. (A máquina de escrever deveria ter dado lugar à 8ª Arte, e o computador electrónico à 9ª, 20ª, 25ª ?…) No meio de tudo isto, agora e aqui, que devemos utilizar o cinema para lá do cinema, numa acção-cinema, que nos ponha de modo evidente barroco (para além mesmo da razão crítica), em face de nós próprios, como actores totais, totalmente responsáveis: – Nós somos realistas, queremos o impossível. Aqui que cabe perguntar: Porquê Almada Negreiros, num filme destes? Poderíamos responder simplesmente: Porque não? Mas as razões positivas são pelo menos rápidas de enunciar: Almada Negreiros é o mais contínuo contraditório e vivo artista português, que hoje e aqui, e “sem mestre”, como gosta de dizer o José-Augusto França, tem resistido ao epigonismo e às classificações fechadas dos géneros artísticos e dos meios artísticos. Eis por que “Almada, Um Nome de Guerra”, que pretende ser um filme não-filme, aberto a mais do que um processo, além do processo espectatorial (aberto também), é um filme com o Almada e não um filme sobre o Almada. Diríamos melhor: com o nome do ALMADA, porque efectivamente se trata de UM NOME DE GUERRA.
Ernesto de Sousa
Revista de Arquitectura, nº 110, Agosto 1969
Ficha Técnica
Contribuíram para a realização do filme ALMADA, um nome de guerra:
Realização e Montagem
ERNESTO DE SOUSA
Assistentes de Realização
ISABEL ALVES, FERNANDO CURADO DE MATOS, MARIA ESTELA GUEDES, FERNANDO CAMECELHA
Fotografia
MANUEL COSTA E SILVA
Som
FERNANDO PIRES
Direcção Gráfica
CARLOS GENTILHOMEM
Vozes
MADALENA PESTANA, ANTÓNIO BORGA
Alunos
COMISSÃO DE APOIO, COOPERATIVA DIFERENÇA INSTITUTO PORTUGUÊS DE CINEMA
Colaboração
GRUPO DE MÚSICA CONTEMPORÂNEA DE LISBOA E MUITOS OUTROS AMIGOS, NOMEADAMENTE OS OITENTA ARTISTAS QUE OFERECERAM OS SEUS TRABALHOS