Sobre

Na imprensa pode ler-se:

 

É como os pára-brisas dos automóveis: assim como desliza para um lado desliza para o outro. Pode usar o discurso da televisão, tentar furar o mercado dos “mass-media”, ou pode constituir-se como arte levando a tipos muito específicos de consumo e, tanto num caso como noutro, praticar a mesma funcionalidade objectiva, interventiva, transformadora. Falamos do registo vídeo, surgido em plena era de radicalismo político […]. O fenómeno foi ontem recordado, pesado e esclarecido por Kate Horsfield perante uma pequena assistência que se juntou na polivalente do CAM para saber como e porquê depois de ver alguns exemplos, e os exemplos foram […] e “Vídeo Against AIDS”, um trabalho de vídeo-arte que alia o documentalismo informativo com preocupações estéticas a nível do cromatismo, das sobreposições e das montagens, dirigido aos homossexuais americanos e ideologicamente conotado com isso a que se chama, do outro lado do Atlântico, a “cultura gay”, sobre a praga que desceu às cidades, a Sida. São os Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea que ainda decorrem, agora dedicados à vídeomania. […] E no entanto a ideia das mulheres que realizaram estes vídeos é demonstrar que não são “sugar and spice and everything nice”. Antes pelo contrário, como contava aliás uma “suburban queen” no pequeno ecrã: “Sou uma mulher, posso sangrar durante dias sem morrer”. É bem diferente o feminismo americano actual, pelo menos relativamente à imagem que dele ficámos na Europa depois dos anos radicais, e este feminismo trata das relações entre pessoas e não já de guerras de substituição. […] Pois, a América é uma sociedade fantasiada, romanceada, dramatizada, uma “soap opera”, e este feminismo surge como uma forma de lucidez, identifica os problemas, enumera-os da solidão à incomunicabilidade, da insegurança à perda de sentido. […] Como foi lembrada na sala polivalente do Centro, na América há por exemplo um movimento homossexual organizado, enquanto que por estes lados se vive um complexo de culpa bem ibérico no assumir das sexualidades não padronizadas. […] O sistema cultural, político, social instalado aconselha o fim das derivas, o amor único e perpétuo, a castidade, a distância, a frieza, a dessexualização: é uma campanha planetária que se cola à campanha contra a Sida, e nos Estados Unidos […], “sente-se que a cultura gay está a ser erradicada”.” (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 1-7-1989)

 

O vídeo só é um fim na medida em que é um meio, o que significa que a sua condição é mediaticamente “radical”. Digamos que o vídeo pode ser pergaminho histórico, sociologia, música, escultura, desenho animado, computação, poesia, máscara, voyeurismo, grito, pintura, tudo isso e nada, uma forma de abordar a realidade para lhe colar uma película pseudo-realista, transfigurada porque relativizada pelo enquadramento e pela subjectividade de quem vê naquilo que vê e sobretudo no que julga ver: o autor. Num “spot artístico” de 20 segundos imitado dos anúncios de publicidade, Nam June Paik, o pai da vídeo-arte, senta-se a um piano, aproxima as mãos do teclado, afasta-as, hesita, tenta de novo, opta e usa a testa. Gratuito? De modo algum, já que o vídeo é o refazer do fazer, um método “personificado” nos resultados, um esqueleto articulado e afinal também o seu corpo. Paik surge nas circunstâncias acima descritas num filme de Joan Logue que data de 1982 e ontem foi apresentado no auditório ao ar livre da Gulbenkian em mais uma iniciativa dos Encontros Luso-Americanos de Arte Contemporânea. Cheio como é de prever e assim aconteceu no primeiro serão, o auditório proporcionará até amanhã uma versão “walk in” para o específico discurso vídeo do tipicamente americano Drive-In (cinema ao ar livre para ser visto dentro do automóvel), com entrada gratuita e investimento a fundo perdido, coisa rara neste país de negociantes. […] No primeiro caso [da selecção a que ontem assistimos] está “Once in a Lifetime” de David Byrne com os Talking Heads ou “Sharkey’s Day” de Laurie Anderson, ambos os vídeos caracterizando-se pelo ritmo, a desmesura, a sugestão da vertigem pela via do encantamento.  (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 5-7-1989)

 

O vídeo americano, escrevi ontem, é radical: é um facto, no alcance como na forma. Quanto mais compacto mais evidente.” (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 6-7-1989)

 

A Técnica não dá felicidade. Não necessariamente, em especial quando entramos no domínio do vídeo. […] Naturalmente, a técnica pode (e deve) ser utilizada com bom gosto; disso temos bons exemplos nos trabalhos de Laurie Anderson, David Byrne/Toni Basil e Mark McKernin, que desfilaram no ecrã gigante montado no anfiteatro ao ar livre da Fundação para evidente gáudio do público, que quase lotou o recinto.  (João Botelho da Silva, Diário de Notícias, 6-7-1989)

 

A câmara de vídeo é o contrário do Big Brother. Se todos os cidadãos tiverem câmaras, podem vigiar o Estado, e então já ninguém nos lixa”. […] A vocação intervencionista é, pelos vistos, a que melhor assenta no formato vídeo. O “médium” é, em si, provocatório.  (João Botelho da Silva, Diário de Notícias, 8-7-1989)