Sobre

O Ciclo Retorno à Tragédia permite encenar pela primeira vez a peça O Indesejado de Jorge de Sena, quase meio século após a sua escrita, em encenação de Orlando Neves e cenografia de Nuno Carinhas, fenómeno que a imprensa registará entusiasticamente. Diz-nos Madalena Perdigão a respeito desta estreia :

 

O INDESEJADO, Jorge de Sena

 

Recordo dois momentos da minha vida em .que perpassaram a imagem e a sombra de Jorge de Sena. Por coincidência, ambos estão ligados ao 10 de Junho, simbolicamente chamado Dia de Portugal. No primeiro momento, e numa cidade da província portuguesa, Jorge de Sena extravasou do quadro dos oradores oficiais, pela força e pela profundidade do seu discurso, pela maneira incisiva e rigorosa por que o pronunciou e que arrancou palmas, por diversas vezes, aos entusiasmados assistentes que o escutaram. O segundo momento ocorreu numa cidade da Califórnia, anos depois: o Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, representando o Presidente da República de então, general António Ramalho Eanes, anunciou publicamente, em palavras sentidas, a concessão a Jorge de Sena, a título póstumo, da Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada. Estavam presentes Mécia de Sena, dois dos seus Filhos, e algumas centenas de luso-americanos, que todos comungaram comigo da emoção geral. Bastou este breve bater de asas da personalidade de Jorge de Sena à minha volta para deixar marca no meu espírito e para aumentar a minha receptividade à sua obra. Por isso me congratulei com a escolha de O Indesejado, de sua autoria, para última peça do ciclo Retorno à Tragédia. Que melhor fecho poderíamos encontrar para este ciclo, constituído por peças de autores nacionais, do que a estreia absoluta de uma tragédia extraída da História de Portugal, da pena daquele grande escritor português? Iniciado com Almeida Garrett, passando por uma plêiade de autores anteriores ao século XIX, e com um ponto alto em Amónio Patrício’ o ciclo Retomo à Tragédia termina em Jorge de Sena confirmando-se como um projecto importante no meio cultural português.
Lisboa, Julho de 1986
M.M.A.P”

 

E na imprensa pode ler-se:

 

“Pela terceira vez em quatro espectáculos, o ciclo Retorno à Tragédia – o Anel Português põe em cena um objecto teatral antológico, belo, notável, histórico. Trata-se de O Indesejado, de Jorge de Sena […]” (Carlos Madeira, jornal não identificado, arquivo do ACARTE)

 

“[…] Nesta sua reaparição em cena [da peça O Fim], em 1986, o encenador trabalhou com Nuno Carinhas, e não será impertinente lembrar como esta dupla nos deu, nos finais de 85 o belíssimo espectáculo Doce Inimigo, baseado num dos contes e Geoffrey Chaucer, e interpretado pelo grupo universitário TUT. E não é impertinente, de facto, pois também O Fim, provavelmente “a pedra de toque” deste ciclo, surge como um espectáculo admirável. […] E todo este conjunto de actores, encenador, cenógrafo e músico logrou não só recriar a peça de A. Patrício, como também transformar a sala do CAM não no lugar onde, mas no lugar que reinventa o teatro.” (Maria Helena Serôdio, O Diário, 7-9-1986)

 

“Descobrir o Teatro de Jorge de Sena
Em “O Indesejado” de Jorge de Sena, para muitos uma das peças fundamentais da nossa dramaturgia contemporânea, a tragédia nasce precisamente do confronto do homem com o seu destino, algo que o transcende e o ultrapassa, significado e função que toda uma nação o faz assumir num determinado momento histórico. […] o espaço cénico e o cenário de Nuno Carinhas nos apontam uma linha de clara e pertinente actualização, fugindo às características da peça histórica da época. […]” (Tito Lívio, A Capital, data não identificada)

 

“Raro pode o espectador de teatro publicamente expor a sua opinião. Considero-me, nesse campo, privilegiada, e reincido. Deixo aos críticos a erudição e a argúcia, o ponto de vista objectivo, os termos próprios, e uso eu do entusiasmo ou desconsolo na sua mais linear expressão e gostar ou não gostar, e porquê? […] O Indesejado – de Jorge de Sena. – Não percebi porque foi que os espectadores da estreia não puseram mais calor nas palmas. Eram merecidas. Diz-se que nas estreias se passam as coisas sempre assim. Não percebo é porquê. Ora, se o texto é belíssimo, se os actores são todos bons, (a sobriedade – e a memória! do Sinde Filipe), se a encenação é muito interessante, o lógico é festejá-lo com palmas. Por mim, acrescento-lhes humildemente (e impressionisticamente…) estas palavras. Quanto à encenação, é uma entre várias outras possíveis, que provavelmente surgirão mais tarde. Mas esta, do Orlando Neves, é a primeira, com poucos meios mas feita com muita atenção, preparação e inteligência. […] (Isabel da Nóbrega, Diário de Notícias, 17-8-1986)

 

“Escrevamos as palavras sacramentais porque é necessário escrevê-las: a estreia da peça de Jorge de Sena “O Indesejado”, na noite de 7 de Agosto de 1986, foi um acontecimento histórico. Quase meio século depois de escrita e, pouco menos, de publicada, estreou-se um dos textos fundamentais da dramaturgia portuguesa do século XX. Esse o grande acontecimento: podermos finalmente ver no lugar que é o seu, o palco, a obra-prima de Jorge de Sena. […] Naquele pequeno espaço, não muito próprio para a prática do teatro, que é a sala polivalente do Cam passaram nestes últimos meses alguns dos mais persistentes fantasmas da nossa história. […] (Diário de Lisboa, 11-8-1986)

 

 

Ficha Técnica

Encenação

ORLANDO NEVES

Dramaturgia

GUILHERME FILIPE E ORLANDO NEVES

Assistente de Encenação

MANUEL COELHO

Cenários e Figurinos

NUNO CARINHAS

Direcção Musical

PAULO BRANDÃO

Desenho de Luzes

PAULO GRAÇA

Intérpretes

SINDE FILIPE, ANTÓNIO MONTEZ, CANTO E CASTRO, JOÃO LAGARTO, MANUEL COELHO, GUILHERME FILIPE, JOÃO GROSSO, ALEXANDRA LENCASTRE, MARIA AMÉLIA MATTA, MIGUEL MENESES, HELENA SIMÕES, JOSÉ WALLENSTEIN