Sobre

A performance-arte, que em 1987 e 1988 esteve practicamente ausente da programação do ACARTE regressa em 1989, juntamente com uma homenagem a Ernesto de Sousa, entretanto falecido. Madalena Perdigão explica a iniciativa:

 

O carácter efémero que caracteriza todo este conjunto de acções artísticas, a utilização do corpo como meio de expressão, a experimentarão como elemento indispensável para o progresso das artes e como necessidade intrínseca de cada artista constituem factores comuns que unificam o tema CICLO DE ARTE EXPERIMENTAL. As obras que vão ser apresentadas tem vida breve, mesmo as musicais com suporte de partitura, mesmo as teatrais baseadas num texto, mas sobretudo as performances, porque nunca nenhuma delas poderá vir a ser repetida em condições iguais. Pode obter-se documentação sobre cada obra, descreve-la, fotografa-la, grava-la em fita ou em vídeo, reproduzi-la, enfim, por diversas formas, mas o momenta lírico da criação e impossível de se repetir.
Isso torna as obras produzidas nestes domínios do teatro musical ou visual, dos espectáculos multimédia e da performance-arte, particularmente atractivas para os espectadores, que não o deverão ser apenas, mas também participantes e ate cúmplices. A cumplicidade dos espectadores é na verdade condição essencial para a criação deste tipo de obras de arte e para o seu florescimento momentâneo.
Mas também a utilização da voz e do corpo as individualiza, assim como a experimentação as inova e valoriza. Não vamos talvez encontrar, neste Cicio, valores eternos. No entanto, a efemeridade que o caracteriza potencia a capacidade dos artistas/criadores/interpretes e a receptividade dos seus cúmplices/espectadores, propiciando uma vivencia artística compensadora.

 

Janeiro de 1989
M.M.A.P.

 

Ernesto de Sousa foi um dos primeiros colaboradores a que 0 Serviço ACARTE fez apelo, logo acabado de criar, em Agosto de 1984, para o que constituiu um dos seus projectos mais Importantes: 0 cicio de manifestações teatrais e multimédia, assim como o colóquio, destinados a complementar a exposição retrospectiva da obra plástica de Almada Negreiros comemorativa do primeiro aniversario da Inauguração do Centro de Arte Moderna.
De facto, o seu nome surgiu como indispensável ao programar-se este cicio de manifestações, não apenas porque se Impunha a apresentação do multimédia Almada, nome de guerra, de sua autoria, mas também porque Ernesto de Sousa multo se assemelhava ao homenageado de então pela sua maneira de encarar a arte, uma maneira aberta, descomplexada, multidisciplinar e critica. Noutra ocasião Importante, por ocasião da Exposição «Diálogo sobre Arte Contemporânea, organizada pelo Conselho da Europa e pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 1985, solicitou também o ACARTE a colaboração de Ernesto de Sousa, para escrever o artigo de fundo do catalogo das Performances/Teatro, Musica, Performance-Arte, que se realizaram no âmbito daquela Exposição e que o Serviço organizou. Nessas performances colaboraram nomes tão famosos (ou que o viriam a ser) como Lourdes de Castro, Manuel Zimbro, Mauricio Kagel, Companhia Jan Fabre, Wolf Vostell, Companhia Jack Helen Brut, Carlos Gordilho, Stuart Brisley, Fernando Aguiar, Les Percussions de Strasbourg, Oficina Musical, Marina Abramovic/Ulay, Ulrike Rosenbach, Teatre de la Claca e não me lembro de ninguém que tanto se congratulasse com esta manifestação como o fez Ernesto de Sousa.
O terceiro contacto havido entre este artista e o ACARTE aconteceu por interposta pessoa. Leonel de Moura propôs-nos a realização de um vídeo sobre a sua obra e personalidade, tendo a proposta sido aceite com o maior interesse entusiasmo.
O vídeo aí esta. Intitula-se “Ouro”. Foi concebido dentro de um esquema de limitações orçamentais mas constitui, além de prova do talento do autor, um testemunho valido da personalidade de Ernesto de Sousa. Personalidade essa que tem a nosso ver mais importância no de que a obra que o artista nos deixou. Se considerarmos o seu percurso, desde ter dado um impulso ao cine-clubismo português impulso até à organização da Alternativa Zero em 1977 – um marco na cultura artística portuguesa – à realização do filme Dom Roberto, à fundação e direcção da Galeria Diferença (um nome que diz muito) passando pela luta por um novo cinema português, por estudos sobre arte popular portuguesa, por trabalho no domínio interdisciplinar e da fotografia, pela organização de numerosas exposições/ instalações, tudo, mas tudo nos leva a concluir tratar-se de uma personalidade rica e multimoda, que multo Influenciou a vida cultural e artística portuguesa últimos tempos. As palavras. que escreveu na Revista de Arquitectura, nº 110, de Agosto de 1969, continuam a ser validas: Para a cultura portuguesa, desconexa, desligada e inimiga de si própria, a modernidade tornou-se não uma ilustração gostosa mas a única saída, se não nos queremos todos resignar, escritores, artistas plásticos, cineastas e outros, a meros epígonos, a curiosos macacos habilidosos. Estas palavras, lidas à luz da nossa actualidade, ajustam-se aos objectivos do ACARTE, que tem assim mais uma razão para prestar homenagem a Ernesto de Sousa, no âmbito do novo cicio de Arte Experimental/Musica, Teatro, Arte-Performance que vai realizar-se de 3 a 19 de Fevereiro de 1989.

 

Dezembro de 1988
Maria Madalena de Azeredo Perdigão

 

A imprensa dá conta da iniciativa, performance a performance:

 

Música, teatro e arte-“performance”, em acções artísticas efémeras e experimentais, caracterizam o Ciclo de Arte Experimental que se realiza na Fundação Gulbenkian entre 2 e 19 de Fevereiro. […] Com este ciclo, o Acarte pretende também homenagear o “performer” Ernesto de Sousa, que morreu no ano passado. Durante o ciclo será apresentado o multimédia “Almada, Nome de Guerra”, da autoria de Ernesto de Sousa. “Para a cultura portuguesa, desconexa, desligada e inimiga de si própria, a modernidade tornou-se não uma ilustração gostosa mas a única saída, se não nos queremos todos resignar, escritores, artistas plásticos, cineastas e outros, a meros epígonos, a curiosos macacos habilidosos”, escreveu Ernesto de Sousa em Agosto de 1969. (A Capital, 24-1-1989)

 

[…] O carácter efémero que caracteriza este conjunto de acções artísticas [o Ciclo de Arte Experimental] – a utilização do corpo como meio de expressão, a experimentação como elemento indispensável para o progresso das artes e como necessidade intrínseca de cada artista – constituem factores comuns que unificam o tema “Ciclo de Arte Experimental”, salienta o “ACARTE”. (O Primeiro de Janeiro, 2-2-1989)

 

Manoel Barbosa já penetrara há algum tempo em domínios que uma primeira impressão pode considerar desde logo como o universo das exigências mais básicas disso a que se chama espectáculo, seguindo por rumos – disse-o algures o artista – “que se desejam urgentes destruidores da visão”. Por isso os seus últimos trabalhos de performance têm incorrido no risco da impopularidade, tornando-se herméticos e conceptuais e obrigando a uma apreensão dificultada e complexa. Mas nunca como em “Vruutmd”, ontem estreada na Sala Polivalente do CAM, tinha ido tão longe na ausência de quaisquer exercícios de cativação do público. Votado a algo que só poderemos denominar de espectáculo do “anti-espectáculo”, os presentes matematismos corporais-espaciais de Barbosa, se indesmentivelmente interessantes, não deixam de contrariar quem vê. Talvez “Vruumd”, que hoje é repetida, pelas 22 horas, no contexto do Ciclo de Arte Experimental organizado pelo serviço Acarte, seja até ao momento a performance mais elaborada do conjunto de representações, mas ela terá sido também a menos aceite pelos assistentes. […] Não é fácil gostar do mais recente Manoel Barbosa, sobretudo quando se constata que o performer poderá estar a resvalar para fórmulas que à partida excluem a existência de um público. Num tempo em que os experimentalismos já não são prática comum, Barbosa será porventura um dos últimos dinossauros, mas estas suas obsessões levá-lo-ão a nenhum lado, se…Se.” (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 15-2-1989)

 

“Pessoa pode de facto sintetizar no espaço mítico português um “caso mental”, mas em Miguel Yeco é uma obsessão, com contornos que constituem já um fenómeno de exorcização e sublimação artística que não pode passar despercebido pelo que têm a ver, e profundamente, connosco. Ontem, no Ciclo de Arte Experimental organizado pelo Acarte do CAM, quem assistiu à performance “Os Limites da Sua Alma” foi presenteado com o que de mais consistente assinou aquele performer desde que vestiu as roupas do poeta da alma portuguesa. O seu Pessoa é uma figura patética e kitsch até ao desespero, uma voz e uma presença que diz “I know not what tomorrow will bring”, numa inversão de sentidos que são nossos, uns e outros por igual. No entanto, malgrado alguma genialidade na encarnação do personagem, muitos aspectos falham – continuam a falhar – no trabalho de Yeco.
Talvez seja este o performer nacional que mais recorre a elementos próprios do teatro, começando pela própria verbalização oral dos seus quadros, e se considerarmos Alberto Pimenta um exemplo à parte.  (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 10-2-1989)

 

Provando que o género performance tem a faculdade de tomar o jeito que dele se entender, numa versatilidade que raro encontramos noutros sectores, o fim-de-semana do Ciclo de Arte Experimental organizado pelo Acarte do CAM foi amplamente elucidativo. Confirmou a ideia de que a intervenção artística não precisa, à partida, de excluir nenhuma linguagem, justificou a noção de que os sentidos nunca são unívocos e podem escolher fórmulas e mediações mais ou menos explícitas e complexas. Mais: mostrou-nos que a arte performativa é caracteristicamente híbrida, fazendo corpo, sempre de modo coerente, tanto com os elementos de feição plástica como com os de origem teatral. Assim, Mobilis in Mobile” de Rui Órfão, espectáculo apresentado no sábado, e “Cannibal!” de Ian Smith, que ontem encheu a Sala Polivalente do CAM, constituem o oposto um do outro, dando ambos liberdade à criação. Ian Smith é um “art gangster”, como se podia ler no blusão que trazia vestido quando foi ver o trabalho de Rui Órfão. Acutilante, provocativo, sarcástico, irónico até, mas sobretudo votado a suscitar a reflexão, o performer britânico “obriga” os seus públicos a usar da consciência no que se refere a temáticas difíceis e polémicas – como o canibalismo, assunto ingrato que o trouxe a Lisboa. Para o fazer misturou algo parecido com o documentalismo de palestra científica, a expressão corporal, a canção e, com um papel determinante, a fala. […] já a performance multimédia de Rui Órfão se notabilizou pela exaltação do silêncio expressivo. “Mobilis in Mobile”, na continuação das criações mais recentes do autor, joga com as representações simbólicas, apreensíveis só pela visão. Imagine, leitor, o artista suspenso no ar, sentado numa cadeira: diante de si um chuveiro simula a chuva, e atrás uma ventoinha faz o mesmo com o vento. Munido de uma pá atira tinta azul para os jactos de água, até se espalhar, em baixo, sobre uma tela de grandes dimensões. Durante alguns minutos repete o mesmo exercício, enquanto nas paredes são passadas imagens de linhas traçadas na tinta (azul também) fotografadas microscopicamente. Subitamente a tela é posta na vertical e o performer fica suspenso nela, preso pelos pés. Os processos foram elementares, mas as implicações muitas e profundas. […] Baixo e cima tomam neste espectáculo a categoria de localizações espaciais com pleno direito, caracterizando por si mesmas um papel. (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 13-2-1989)

 

“Às vezes entramos em absurdos e barroquismos que não nos dizem respeito mas sim ao incomensurável mundo da “feiras das vaidades” e do intelectualismo superficial. Que bom que é ser-se intelectual (às vezes) e poder massacrar os outros com os nossos fantasmas e contradições, chamando-lhes por exemplo Arte Experimental, “Performances” ou outros nomes que tais, levando-nos a pensar em vanguardismos quando não é caso disso! […] parece-me que foi o que aconteceu na Sala Polivalente do CAM com a apresentação da “Performance – Instalação S” de Elizabete Mileu, espectáculo que encerrou o Ciclo de Arte Experimental da Acarte, na Gulbenkian. Imagine um gigantesco S reproduzido no chão (areia, terra, barro, pó?) com zonas de cores várias por onde a autora se arrastava percorrendo (nas suas palavras)… um S é um momento do longo e intrigante combate entre o tempo e o espaço, com facções ocultadas pela memória. Também gritava, rugia, entrava em estertor, agitava-se e misturava-se com a terra (ou lá o que era!). De repente, alguém lá de cima atirava carneiros (cabritos) mortos e esfolados para o mesmo espaço. Depois de duas décadas de sessões experimentais, acontecimentos culturais importantes, anti arte e afins, já não há pachorra para aturar tais amadorismos e mediocridades. (Ana Bela Martins da Cruz, Diário de Notícias, 21-2-1989)

Ficha Técnica

Concepção e Realização

RUI ÓRFÃO

Música

NIGEL ROLFE

Fotografia

PEDRO FERREIRA

Apoio Técnico

JOIO TORRES

Produção

ACARTE