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A propósito de O poder da Loucura Teatral, de Jan Fabre, espectáculo de 6 horas em que no fim já só estavam poucas pessoas na sala diz José Ribeiro da Fonte:

 

“Faz agora algum tempo que saí – mesmerizado! – de um espectáculo chamado O Poder da Loucura Teatral. E eis que ainda e sempre a ele regresso: intrigado, fascinado, estupefacto perante a preparação e a prestação técnica daquela vintena de pessoas! Admito que chegara ao Auditório da Gulbenkian levado sobretudo por um faro e uma frívola curiosidade. Admito que, ao sentar-me diante de um céu de pequenas lâmpadas iluminando, ao fundo, um conjunto de silhuetas, estava longe de imaginar que o espectáculo iria ser um ininterrupto de quatro horas e meia, em que suscitar a nossa Vontade de Ver se tornaria num hábito da mais cruel volúpia. […]” (José Ribeiro da Fonte, jornal não identificado, arquivo do ACARTE)

 

No Expresso, José Augusto Seabra, enquadrando-os e explicando-os, na sua interdisciplinaridade, aborda conjuntamente a proposta de Fabre, que caracteriza como “o mais prodigioso espectáculo cénico visto em Lisboa nos últimos anos” e de Maurizio Kagel, situando-as a ambas no contexto da “arte contemporânea” e problematizando o espaço do museu.

 

“[…] Foram momentos notáveis de teatro musical: um deles, o de Fabre foi mesmo (sejamos rápidos, directos e claros, excessivos talvez, mas em coerência com a própria cena, o entusiasmo suscitado e duradouro fascínio do evento) o mais prodigioso espectáculo cénico (se teatral, coreográfico ou operático não interessa, nem para tais distinções há aqui lugar) visto em Lisboa nos últimos anos.

Que isso tenha sucedido no âmbito de uma exposição, eis algo que directamente nos conduz ao conceito mesmo: arte contemporânea. Encerrados na especificidade de uma “disciplina” de um certo número de práticas com recurso a certo tipo de materiais determinados, não é usual que as exposições ou os museus se transfigurem cenicamente, ou melhor, neles pressupõe-se que a cena é imóvel. Se o espaço e a categoria “museu” se referem prevalentemente à “disciplina artes plásticas”, a mutação (a discussão) que neste caso se observa radica-se numa prática associada ao próprio passado recente dessas “artes plásticas”: a performance. Os textos introdutórios ao catálogo das manifestações “efémeras”, para não dizer paralelas da Exposição-Diálogo (nota marginal: a qualidade das traduções dos textos é simplesmente inacreditável; se, em simultâneo com o português os textos não fossem também apresentados em inglês, a inteligibilidade de vários deles seria quase nula) tornam claro, aliás, essa fundamentação básica na “performance”.

[…] O período que genericamente esta Exposição-Diálogo abrange, os últimos 25 anos digamos, se foi o das grandes afirmações dessa vanguarda (performances, happenings, events, etc.) foi também o da sua superação. […] Kagel foi – é – sobretudo o autor que, em oposição à ópera tradicional, desenvolveu uma outra forma cénico-musical: o teatro instrumental, sublinhando, colocando em evidência, o trabalho corporal do instrumentista ou do cantor, a potencial teatralidade do seu gesto, ao mesmo tempo que recorreu aos mais diferentes objectos como fontes sonoras ou que trabalhou de forma nova os instrumentos tradicionais. […]” (José Augusto Seabra, Expresso, 5-4-1985)

 

Há também quem tente, através da descrição, abordar o que está em causa na estética das propostas:

“[…] O Poder da Loucura Teatral parte de um trabalho corporal limite (vanguardista!) para operar sobre elementos e referências tradicionais. É uma maximização de minimalismos. A repetição incessante dos mesmos gestos (em grandes blocos-secções) cria um tempo dilatado (ou a anulação de qualquer noção racional do tempo, hipotética), em que, de forma mínima, por sobre a repetição, surge a diferença. Bob Wilson, então? Claro, apenas com este reparo: reconheça-se que a influência é evidente, mesmo demasiado evidente, como o é a de outro grande trabalho teatral, actual, o teatro coreográfico de Pina Baush […] Obra de arte total então? Não num sentido totalizante; o que se expõe em O Poder da Loucura Teatral são diversos restos, decompostos e sobrepostos. […]” (jornal não identificado, arquivo do ACARTE)

 

Também a constante presença de música repetitiva na Exposição-Diálogo leva a uma explicação sobre a sua origem e os seu propósitos:

 

“Com origem na América do norte e dadas a conhecer entre nós nos finais da década de 70, as chamadas “músicas repetitivas” baseiam-se em módulos rítmicos, harmónicos, melódicos, que se repetem indefinidamente, no âmbito de uma dinâmica estável, ao mesmo tempo que vão mudando quase imperceptivelmente de feição. A “repetição” é mera aparência, é ponto de referência de uma constante mudança. Por um lado, não há “princípio” nem “fim”, não há roturas, conflitos, afrontamento de ideias contraditórias, não há contrastes, não há desenvolvimento, não há “drama”: só um fluir imperturbável, tranquilo, encantatório, um rio que segue o seu curso…” (Diário de Lisboa, 7-6-1985)