Sobre

Teatro das Enormidades Apenas Críveis à Luz Eléctrica, espectáculo de Ricardo Pais com coreografia de Olga Roriz, produzido pelo Acarte e pelo Núcleo de Acção Cultural Área Urbana, de Viseu, é um dos projectos teatrais em que o Acarte se envolve em 1985, apoiando, segundo Madalena Perdigão um esforço de descentralização que tem “à partida a garantia de um resultado com interesse e qualidade artística”.

 

“Homenagear Aquilino Ribeiro, no ano em que ocorre o primeiro centenário do seu nascimento, constitui um acto de justiça prestada à memória do grande escritor português. Que essa homenagem tenha tomado a forma de um espectáculo criado sobre textos de Aquilino resulta de uma proposta do Núcleo de Acção Cultural Área Urbana, de Viseu, à qual o ACARTE deu pronto seguimento. Pareceu promissor e estimulante confiar a meia dúzia de artistas criadores a tarefa de fazer renascer no palco o mundo de Aquilino. Primeiro em Viseu, capital da sua Beira natal, no velho Teatro Viriato tão rico de tradições, depois em Lisboa, num espaço nú e frio, mas aberto a todas as aventuras artísticas. Projecto descentralizado, com a humildade necessária para assegurar a primazia da estreia a um local que não Lisboa, o Teatro de Enormidades representa um marco importante no percurso do ACARTE. O talento de Ricardo Pais e o dos seus companheiros dão-nos à partida a garantia de um resultado com interesse e qualidade artística.

Lisboa, Outubro 1985
Maria Madalena de Azeredo Perdigão”

 

O espectáculo será um sucesso tal que em 1987 é reapresentado no ACARTE, desta feita no âmbito dos primeiros ENCONTROS ACARTE.
Diz-nos Maria Helena Serôdio a este respeito:

 

“Com o Teatro de Enormidades, uma co-produção da Acarte […], a Fundação Calouste Gulbenkian (pela Acarte e pelo Serviço de Belas-Artes) prossegue, no espaço do seu Centro de Arte Moderna, as iniciativas que tem vindo a promover no campo do teatro e que, tendo adquirido já uma certa regularidade, representam uma diferença qualitativa introduzida no panorama teatral português, pelo menos no da cidade de Lisboa. […] É uma iniciativa justa e resulta num espectáculo que se vê com agrado. […]” (Maria Helena Serôdio, O Diário, 17-11-1985)

 

E o crítico Tito Lívio, sublinhando o reaproveitar do velho teatro Viriato:

 

“Este espectáculo (que vem na sequência das experiências interdisciplinares, multimédia, realizadas por Ricardo Pais, desde Saudades a Longe Daqui) destinava-se a “ler” Aquilino Ribeiro em Viseu, sua terra natal, cidade onde há cerca de trinta anos não existe uma sala de espectáculos aberta ao público. Para tal, aproveitaram-se as estruturas do velho teatro Viriato, deteriorado pelas vicissitudes de uma existência acidentada (trinta anos como armazém de mercearias), criando um espaço cénico adequado ao local de produção deste “Teatro de Enormidades”, que teve, depois, de ser convenientemente adaptado para a dimensão mais modesta da sala polivalente do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian. Esta acção, que funcionou como elemento de dinamização cultural, de recuperação de espaços artísticos antes abandonados, e como tentativa para quebrar o isolamento de uma urbe do “interior” português, onde raramente chega o que de válido ou interessante se faz na capital, escolheu dentre a vasta obra de Aquilino Ribeiro um episódio das suas “Terras do Demo”, quiçá um dos seus livros mais representativos(…). O essencial era contar a história, mas encenando-a, leitura que, servindo-se de meios tão diferentes como a música, a palavra, a representação, a dança, a voz e o canto, a luz, traduziria de uma forma polivalente a acção ou evento narrado pelo escritor.”(Tito Lívio, jornal não identificado, arquivo do ACARTE)

 

Para Jorge Listopad este é, não obstante a sua presença na “sala mais fria de Lisboa” o melhor que Ricardo Pais fez nos últimos tempos:

 

“Não se sabe, nem eu sei, embora possa calcular pelas fotografias e segundo testemunhas oculares, como funcionou o espectáculo naquele teatro morto-vivo de Viseu. Diferente, mais patético, ferido pela situação da casa centenária em agonia? Falando aos corações beirões no coração da Beira? À sala mais fria de Lisboa, mas felizmente não em agonia, o espectáculo teve de se adaptar; adaptação empreendida com artes e manhas, o que apenas fala em favor do sentido organizativo da teatralidade de Ricardo Pais. […] Teatro de Enormidades é, na minha opinião, o melhor que Ricardo Pais fez nos últimos tempos.” (Jorge Listopad, Jornal de Notícias, data não identificada, arquivo do ACARTE)

Já Eugénia Vasques traça o anterior percurso do Encenador:

 

“Teatro de Enormidades, Apenas Críveis à Luz Eléctrica, expressão aquiliniana de ressonâncias futuristas, é um espectáculo que se articula na pluralidade de linguagens, experiência que Ricardo Pais vem desenvolvendo sobretudo a partir de Saudades (1978). Com efeito, a tentativa de criação de uma linguagem nova para o teatro, com a incorporação de novas tecnologias (televisão, vídeo, música, electroacústica), tem sido a contribuição do encenador, que deste modo tem vindo a definir um estilo muito particular, sobretudo nos espectáculos produzidos na década de 80, de que são exemplos relevantes Terceiro Mundo (1981), com a utilização de microfones, televisores e gravadores, e Tanza-Variedades (1983), um espectáculo assumidamente multimédia. Um outro aspecto particular da criação de Ricardo Pais é o trabalho de integração da música e da dança com o teatro numa perspectiva interdisciplinar que submete o trabalho do e sobre o actor, e o trabalho do encenador, a uma nova disciplina, obrigando a linguagem teatral a uma permanente adequação (redescoberta) que a vitaliza, provando deste modo que o teatro não está moribundo ou em vias de se transformar num objecto arqueológico. Nesta linha renovadora inscrevem-se os citados Saudades, espectáculo musical, e Tanza-Variedades, café-concerto com música de Carlos Zíngaro, e o recente Só Longe Daqui (1984), espectáculo de dança-teatro, com coreografia de Vasco Wallemkamp. (Eugénia Vasques, Expresso, 16?-11-1985)

 

A revista do Expresso dá também conta dos trabalho de Ricardo Pais/ Área Urbana em Viseu:

 

“Em 1984, Ricardo Pais fez as malas e abalou para Viseu. Ia como funcionário do Ministério da Cultura, requisitado pelo prazo de dois anos para organizar, naquela área urbana, um projecto cultural. Uma aposta curiosa, a que o linguajar oficial tanto gosta de chamar descentralização. E depois? “Se não fosse pelos meus próprios meios nunca teria acontecido nada”, diz Ricardo, que acusa o poder político de absoluta incapacidade de resposta. Com efeito acabou por se constituir um Núcleo de Acção Cultural baptizado Área Urbana, instalado num edifício do Largo da Misericórdia, em três divisões “vazias” de metros quadrados e cheias de luz, donde se avista a serrania. […] Lutando com falta de pecúlio (o subsídio que lhes foi atribuído, de mil contos, ainda não apareceu) e pedindo emprestado ao banco, a Área Urbana foi navegando ao pano que podia. Fotocopiadora a prestações, tudo a prestações, e salários baixíssimos. “Cachets dos artistas pagos a tempo e horas e uma organização impecável, atesta o Luís Madureira: “Pela primeira vez, cheguei a um sítio para um espectáculo e havia quem se ocupasse dos pormenores, da estadia, de me ir esperar ao comboio e de marcar o hotel”. […] Ricardo Pais não gosta que lhes chamem “animadores culturais”. “Somos profissionais. Quando vim para Viseu foi para erguer um projecto coerente e assumi-lo como tal, não foi para fazer experiências de animação ou do tipo teatro independente”. E se a Área Urbana for ao fundo, Ricardo fica em Viseu e não regressa a Lisboa: “Lisboa é uma aldeia boa para ricos, com casa na Lapa e vista para o Tejo. Se sair daqui é para ir para uma capital a sério, Londres, Nova Iorque, não é para ir para Lisboa e estar à mercê do eufeudamento ao poder, para receber a esmola”.” (Expresso, 28-9-1985)

Ficha Técnica

Textos

AQUILINO RIBEIRO

Coreografia

OLGA RORIZ

Música Original

ANTÓNIO EMILIANO

Cenário e Figurinos:

ANTÓNIO LAGARTO

Técnica Vocal

LUÍS MADUREIRA

Guião, Direcção

RICARDO PAIS

Luz

ORLANDO WORM

Sonoplastia

WALDEMAR MIRANDA

Narradores

OLGA RORIZ, LUÍS MADUREIRA, RICARDO PAIS, NICOLAU VALE PAIS OU FRANCISCO AVELAR

Direcção de Produção

EMÍLIA ROSA