Sobre

A divulgação da Dança Contemporânea continua a ser uma das preocupações centrais do ACARTE. No programa de “Aspectos da Dança Contemporânea III” Madalena Perdigão relaciona novamente “a vitalidade, a diversificação e o desenvolvimento que a dança tem encontrado ultimamente [com] um contacto directo – e perdoe-se nos a imodéstia – com a actividade levada a cabo pelo ACARTE neste domínio, desde os seus primeiros anos de existência”:

 

Com este novo ciclo intitulado ASPECTOS DA DANCA CONTEMPORÂNEA, o ACARTE mantém-se fiel ao seu propósito de informar o público, a critica, os bailarinos e os coreógrafos portugueses do que se vai passando de mais actual no panorama da dança internacional. Esta posição deriva da reconhecida necessidade de prestar, a todos os conhecimentos necessários para formarem um juízo claro e actualizado do panorama da dança no mundo. Estes Ciclos não tem, no entanto, apenas objectivos de informação e pedagógicos, mas também lúdicos. Na verdade, não é inolvidável a satisfação que certos momentos da dança nos proporcionam e não podemos deixar de os compartilhar, sobretudo com os jovens bailarinos e coreógrafos portugueses. A vitalidade, a diversificação e o desenvolvimento que a dança tem encontrado ultimamente entre nós, tem, a nosso ver, um contacto directo – e perdoe-se nos a imodéstia – com a actividade levada a cabo pelo ACARTE neste domínio, desde os seus primeiros anos de existência. Bem entendido, outras entidades tem contribuído para o mesmo efeito, designadamente o Ballet Gulbenkian, a existência da Escola Superior de Dança e da licenciatura em Dança, pelo ISEF, a constituição de pequenas companhias independentes, com o apoio da Secretaria de Estado da Cultura, entre outros factores. Em todo o caso, estamos convencidos que sem o apoio efectivo e continuado do ACARTE, dificilmente o nosso publico, a nossa critica e os nossos jovens bailarinos e coreógrafos teriam oportunidade de se informar devidamente do que se passa no estrangeiro e de usufruírem as emoções da dança actual. […]

 

Lisboa. 27 de Abril de 1989
Maria Madalena de Azeredo Perdigão

 

 

Na imprensa pode ler-se:

 

É a terceira temporada de “Aspectos da dança contemporânea” promovida – e ainda bem – pelo CAM, uma iniciativa que mais nenhuma instituição, entre nós, se abalançaria a lançar tendo em conta o “mercado” de tão reduzidas dimensões. Por outro lado, a credibilidade alcançada por tudo quanto traz por matriz o nome Gulbenkian, nunca sofreu um desmentido, junto de um público de todas as idades. Este III Festival de Dança Contemporânea está voltado para o novo continente, o americano do norte, com a responsabilidade dos Estados Unidos e do Canadá. (Manuela de Azevedo, Diário de Notícias, 14-5-1989)

 

No mês de Maio, o Acarte dançou. (…) Numa estratégia agressiva e cuja experimentação se limita à dança pura, à relação íntima mas bastante conflituosa com a música, a abolição de diferenças entre movimentos sacros (ou nobres) e profanos, e também entre os homens e as mulheres, com humor ou com pathos convergem os sete atletas para um puro êxtase. (Jorge Listopad, Diário de notícias, 3-6-1989)

 

Parece-me que nunca será de mais fazer notar a missão bastante meritória de Madalena Perdigão no que concerne à promoção da Dança no nosso país. Pela sua mão têm nos últimos anos passado pelo ACARTE, CAM da FG – esse santuário da Dança Contemporânea lisboeta – inúmeros artistas e conjuntos coreográficos que têm vivificado o (cada vez menos rarefeito, mas ainda muito irregular) calendário terpsicoreano. […] Se atendermos à falta de visão (e possivelmente de meios económicos também) que os empresários portugueses revelam no domínio da dança e a dificuldade de intercâmbio artístico entre portugueses, europeus e americanos, o esforço de Madalena Perdigão assumirá um carácter quase filantrópico!  (António Laginha, Semanário, 27-5-1989)

 

TORONTO DANCE THEATRE

 

[…] o que sobressai de mais-valia no bailado erudito é a performatividade, e esta, porque se trata precisamente de corpos e das suas deslocações no espaço, nunca é plástica apenas: a dança-teatro, modelo contemporâneo com ramificações cada vez mais alargadas, é assim a prática previsível, intensificando-se com a dramatização ou a narratividade mímica a simbologia que em tempos bastou. Já não nos chegam os símbolos? […] A coreografia em causa [de Toronto Dance Theatre] é suficientemente demagógica, “kitsch” e equivocada para nela encontrarmos os defeitos mais deprimentes dos excessos “representativos” de algum do bailado contemporâneo que quer “dizer” mais do que pode ou devia.  (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 12-5-1989)

 

 JODY OBERFELDER-RlEHM DANCE C0MPANY

 

De todos os lados nos piscam o olho. A gente sorri, bate palmas, sai e esquece. […] Doeu ontem com a estreia da companhia americana Overfoot na Sala Polivalente do CAM, e de facto não há nada mais absurdo do que um bailado com piscadelas para a plateia, piadas velhas, muita “retórica”, tiques e coreografias feitas de matéria absolutamente gratuita. […] Não que eu tenha alguma coisa contra uma dança de propensão mais ligeira, mas o CAM não é obviamente o espaço mais próprio para tais recursos nem um ciclo como esta terceira edição dos “Aspectos da Dança Contemporânea” comporta esteticamente um grupo de bailado com características como as demonstradas ontem.  (Rui Edardo Paes, Diário de Lisboa, 19-5-1989)

 

 

STEPHEN PETRONIO COMPANY

 

A elegância de Petrónio
[…] Apraz-me, uma vez mais, chamar a atenção do grande público, porventura mais distraído, para o relevante papel na actual fase de iniciativas da Gulbenkian desempenhado pelo ACARTE. Contra as tendências estiolantes da sociedade portuguesa, este filho mais novo da FG instila um permanente sentido de modernidade, com as constantes evoluções nos vários países onde quer que algo de novo se desencadeie. […] esta abertura ao sério e ao honesto anseio de renovação vai ficar o mais forte movimento colectivo do século que finda, e dele não pode deixar de brotar a fonte viva de novos padrões. […] Diria mesmo que, quando parecia a caminho de estar esgotada a linguagem da Modern Dance, eis que surge a Stephen Petronio Company com uma linguagem de frescura e de qualidade imprevisíveis. (Manuela de Azevedo, Diário de notícias, 5-6-1989)

 

Talvez porque o corpo se gere agora por outras normas e procura diferentes horizontes, o que noutros tempos era libertinagem hoje volveu-se libertário, encontrando espaços privilegiados para a representação dos prazeres e dos desejos físicos e metafísicos – o bailado, por exemplo e sobretudo, esconjuração da morte e reinvenção da vida. No bailado, precisamente, Stephen Petronio protagoniza um projecto que consiste na própria incarnação de um prazer que é a súmula de todos, o prazer do movimento e da expressão corporal, que poucos rivais encontra em inventiva, originalidade, força e frescura. Por isso, um ano depois de ter sido aplaudido na capital portuguesa, volta com novas coreografias à terceira edição dos “Aspectos da Dança Contemporânea” […] Não é de um corpo soberbo que trata a utopia libertária de Petronio, mas do corpo que age e agindo é mais corpo, o corpo que domina o espaço e o potencializa. Se se glosa o defeito, o ridículo, o absurdo, se o “non-sense” toma parte no discurso coreográfico deste criador americano, tal deve-se ao processo de descodificação que entende fazer nele para preparar a sua metamorfose do possível. (Rui Eduardo Paes, Diário de Lisboa, 27-5-1989)

 

A propósito desta iniciativa traçam-se balanços sobre o estado da dança em Portugal, entrevistando alguns dos seus protagonistas:

 

Olga Roriz
Em relação ao Ballet Gulbenkian, sendo uma companhia de reportório contemporâneo é, ou pelo menos deveria ser, a mais importante do nosso país. Constata-se, no entanto, que cada vez mais tem um pendor tradicional e, porque não é uma companhia experimental, acaba por emperrar […]. Não posso deixar de referir o Vasco Wallencamp, que para além de ter ensinado muita gente deu azo a que essas pessoas seguissem por rumos diferentes. Todo o seu trabalho coreográfico foi e é muito importante para a dança contemporânea em Portugal: pegou nas coreografias por um lado mais técnico e mais seguro e criou uma linguagem. Quanto ao meu trabalho aqui na companhia, embora aceitem todos os meus trabalhos, sentem que cada vez mais me estou a distanciar da dança de que aqui têm uma concepção um pouco tradicional. […] Em relação aos novos valores o principal problema é o da falta de apoios e sem eles um bailarino independente não tem capacidade de subsistência. Se os houvesse certamente que a dança seria melhor em Portugal. Mas para isso era preciso mudar a mentalidade do Governo em relação à cultura. E era preciso que houvesse outras instituições para além da Gulbenkian a patrocinar e apoiar os projectos. Parece que a Fundação Oriente vai dar algum apoio a iniciativas nesta área. Em relação ao ACARTE fez surgir muitas coisas que até agora não vinham a Portugal, só é pena que seja apenas uma elite a ver estas companhias que agora se apresentam. […]

 

Rui Horta
Só se pode falar de dança moderna em Portugal na última meia dúzia de anos. A dança contemporânea é uma forma de expressão artística ainda em estado bastante embrionário no nosso país, embora com alguns bons coreógrafos e principalmente com elementos com um valor potencial muito grande e de certeza que isso se traduzirá no surgimento de novos valores nos próximos anos. Este é um período de grande transformação em Portugal e, como tal, é difícil ver claro para onde as coisas se dirigem. No entanto verifica-se uma atitude inconformista, de insatisfação e vontade de avançar. Em Portugal há uma grande “décalage” em relação a outros países: é que não há professores de dança moderna em Portugal, ou melhor, bons professores de dança o que faz com que a formação de bailarinos e coreógrafos esteja em estado embrionário. Um dos grandes pólos transformadores da dança em Portugal tem sido precisamente a FG através do ACARTE, que tem trazido até junto de nós algumas das mais representativas companhias de dança contemporânea.[…] por outro lado, não temos em Portugal empresários culturais que promovam a cultura embora pense que estamos a mudar e começa a surgir um certo interesse, por exemplo, das autarquias, nomeadamente da Câmara Municipal de Lisboa. Diria que há uma vontade nascente de fazer coisas, o que é um começo.

 

Vera Mantero
O principal problema da dança contemporânea em Portugal é o da falta de produtores especializados nesta área. Para realizar um espectáculo de dança há uma série de necessidades essenciais como espaço, luzes, música e tem de haver alguém que trate de tudo isso. […] Neste momento se não fosse o ACARTE não existia em Portugal dança contemporânea e se este serviço não trouxesse até cá novas companhias, nós continuávamos na mesma.

 

Liliane Viegas
A dança contemporânea em Portugal é praticamente nula. Temos apenas a Gulbenkian, com um nível muito bom e a Companhia de Dança de Lisboa, que ainda está em fase de pesquisa. Um dos principais problemas que se fazem sentir nesta área é o da falta de quadros para formar gente e a falta de apoios. Eu própria tive em mão vários projectos que não pude continuar por falta de apoios. E o pior é que quando os vamos pedir dizem-nos que sim, que apoiam, ficam com a consciência tranquila e depois dão-nos pouco. […] Quanto ao ACARTE penso que tem desenvolvido um trabalho muito positivo a nível da divulgação da dança moderna mas podia ter uma actividade mais desenvolvida no âmbito nacional promovendo estágios, etc. Há por aí muita gente com muito potencial e que anda um bocado perdida.” (O Século, 10-5-1989)