sobre

Os Encontros Acarte de 1989, já marcados pela ausência de Roberto Cimetta, falecido no final do ano anterior, contam em 1989 com a presença de um espectáculo de Pina Bausch cujo trabalho é, pela primeira vez, apresentado ao vivo em Portugal, bem como com a presença de Tadeuz Kantor, alargando assim o âmbito de actuação dos Encontros à Europa de leste. No seu âmbito é discutida a relação da “Crítica com as Artes do Corpo” assim como as “Culturas Nacionais e a Europa”.

Escrevem os Directores da Iniciativa:

 

Para Roberto Cimetta*

13 Fevereiro 1949 – 23 Setembro 1988

uma grande saudade

*co-director artístico dos ENCONTROS ACARTE 87 e 88

 

A Europa em que acredito. A Europa da cultura.A Europa cujo aspecto geográfico nãoconstitui senão uma pequena parcela da suaverdadeira dimensão.A Europa que, depois de investir na cooperaçãoeconómica, está à procura da sua alma e da suacoesão espiritual, no dizer do Papa João Paulo II. A Europa das Comunidades, como base estável,sem recusar uma abertura ao Mundo (de acordocom a tradição histórica das nações europeias) esobretudo ao países de Leste, seus irmãos, queajudara a reencontrar os valores da democracia edos direitos do homem.Portugal, integrado no contexto cultural europeupor direito próprio, com a riqueza de muitos séculosde cultura, com a sua língua, a sua vivíssimaLiteratura, os seus monumentos, a variedade dassuas paisagens, 0 valor dos seus artistas plásticos,musicais, de teatro e de dança, a lutar pelasobrevivência, valorização e divulgação noestrangeiro da sua maneira de estar no mundo.Os Descobrimentos Portugueses, ponta de lançacuja contribuição para a construção da Europa nãopode ser ignorada, pois foi a partir do conhecimentoda não Europa que a noção de Europa seconsciencializou.A dimensão atlântica de Portugal, que poderáproporcionar as Comunidades Europeias um pontode equilíbrio favorável ao seu futuro.A Europa, Portugal e o futuro.

 

Os ENCONTROS ACARTE – NOVO TEATRO/DANCA DA EUROPA, iniciados em 1987, nasceramda vontade imperiosa de contribuir para a completaintegração de Portugal no contexto cultural europeue partiram das asserções e dos princípios atrásenunciados.Através da apresentação de espectáculos comcaracterísticas inovadoras e de experimentalismo,procurou-se informar o publico português do que seestava a passar na Europa, no domínio da criaçãoteatral e da dança e promoveu-se um intercambio deideias, de reflexões e de experiencias, com vista afavorecer o desenvolvimento da cultura artística europeia. Os primeiros ENCONTROS constituíram uma espécie de choque. O seu impacto foi enorme juntodo publico português e atraiu as atenções da EuropaComunitária sobre o nosso pais. Em 1988, verificou-se a confirmação do interessedo público e procuraram-se novos caminhos: o do trabalho de jovens artistas portugueses, sob a orientação de um director estrangeiro, 0 das estreiasmundiais e o das co-produções internacionais.Algumas companhias estrangeiras de grandenível alternaram com outras de carácter maisexploratório e multidisciplinar, assim como comimportantes criações portuguesas. Os ENCONTROS ACARTE 89 constituem comoque uma simbiose dos dois ENCONTROS precedentes. A programação não teve por objectivo apresentar apenas obras primas (ou como tal já consagradas) mas exemplificações do trabalho criador em curso na Europa. Assumiu-se a desigual representatividade dascompanhias e dos espectáculos programados, naintenção de imprimir aos ENCONTROS um carácter de frescura e de surpresa, que os tornassem mais lúdicos e, simultaneamente, mais enriquecedores doponto de vista da vivencia cultural que Ihes éinerente. Considerando a divisa que nos vem da área económica Cooperar para Crescer, continuou-se coma politica das co-produções internacionais, este anoconsubstanciada no espectáculo Ça Va, pela Companhia NEEDCOMPANY, que tem obtido grande sucesso nas cidades em que foi apresentado. A vertente programática das estreias mundiais vai confinar-se, em 1989, a representação portuguesa: A Ilha de Oriente, original inédito de MARIO CLAUDIO,com encenação de Filipe La Feria, dentro de uma estética de inspiração indiana, e a primeira parte do espectáculo Nocturno, em que a nossa grande pianista MARIA JOÂO PIRES tocará os Nocturnos de Chopin, com visualização plástica pelas MARIONETAS DE SAO LOURENÇO. Artistas portugueses estarão igualmente presentes no espectáculo Descobertas, resultado de um workshop dirigido pela bem conhecida Companhia WELFARE STATE INTERNATIONAL e em que também colaborarão actores ingleses. Este e umdos aspectos dos programas dos ENCONTROS ACARTE 88 e 89 que nos parece de salientar, pois além de contribuir para a formação dos nossos jovens artistas, abre-lhes fronteiras, como já aconteceu com Tiago Porteiro e Duarte Barrilaro Ruas, que participaram em 1988 no espectáculo De Noite, dirigido por GIORGIO BARBERIO CORSETII, com base em textos de Kafka, e entretanto foram convidados para Polverigi e Salzburgo, estando já previstas apresentações em vários outros Festivais europeus. Sessões de vídeo-dança (uma experiencia nova),cinema ao ar livre e musica ao vivo, para preencheros fins de cada noite, são actividades complementares do programa dos ENCONTROS ACARTE 89, que assim se enriquece com a inclusão de outras disciplinas, para além das suas disciplinas temáticas. Pólos de reflexão imprescindíveis numa iniciativa com tão importantes objectivos, os Seminários sobre “As Culturas Nacionais e a Europa” e “A Crítica e as Artes do Corpo”, contam com a participação de pensadores e de especialistas portugueses e estrangeiros que, alem de proferirem comunicações, intervirão nos debates. O intercâmbio de pensamentos e de experimentações, a vivencia cultural, a inovação artística, o carácter lúdico dos ENCONTROS ACARTE 89 encontram-se assim assegurados a partida.Queira o publico participar também com o seu entusiasmo, o seu espírito critico; queira ele fazer um acto criador e contribuir para garantir aos ENCONTROS uma posição de relevo no panorama cultural português e um lugar ao sol no quadro dos acontecimentos artísticos da Europa.

 

Estoril, Julho de 1989

Maria Madalena de Azeredo Perdigão

 

Os Encontros ACARTE vão reunir pela terceira vez artistas europeus e profissionais do teatro nos edifícios e jardins da Fundação Gulbenkian.Os Encontros do ano passado formularam conscientemente algumas questões quanto à natureza e identidade deste projecto. Há muitos objectivos a concretizar num encontro que see stende por tão curto período de tempo. Os mestres da cena teatral europeia têm de ser apresentados em Portugal, mas as novas evoluções da dança moderna e o teatro também tem de descobrir o caminho ate ao público português. Por outro lado, também as produções portuguesas tem de se mostrar a um publico internacional, que aproveita a oportunidade da realização dos Encontros para vir a Portugal e travar conhecimento com o pais. E, não menos importante, tem de se organizar um verdadeiro encontro, prática e objectivamente como colaboração entre os artistas portugueses e estrangeiros, e também para o intercâmbio de ideias e contactos através de debates, conferências e todos os meios possíveis. Todos estes elementos, reunidos num campo deforça tão construtivo quanto possível, constituirã oos Encontros ACARTE 89. Os mestres ao mais al tonível estão representados por Pina Bausch, da Europa Ocidental, e por Tadeusz Kantor, da Europa do Leste. “L’Esquisse”, Angelika Oei, “CloudChamber” e o “La Tartana Teatro” juntamente com os anteriormente convidados Wim Vandekeybus e a“Needcompany” constituem excelentes exemplos da abordagem aberta, multi-disciplinar e experimental do novo teatro europeu, que tem caracterizado os Encontros desde o seu inicio. O “Welfare State International” regressa a Portugal para trabalhar com artistas portugueses, na sequencia de um workshop realizado em Maio de 1987. O programa deste ano dedicado ao vídeo e aocinema testemunha os desenvolvimentos actuais, num contexto mais vasto que qualquer programaçãoconcreta em palco jamais poderia fazer, estabelecendo, a propósito, os fortes elos entre a nova dança moderna e o cinema. Finalmente efectuar-se-ão dois seminários: um sobre A Critica e as Artes do Corpo, e outro para sondar o ambiente sobre um tema com que todosnos defrontamos: A Europa. Neste ultimo seminário,os portugueses e os convidados estrangeiros trocarão ideias sobre a relação entre cultura nacional e cultura europeia, sobre filosofias e organizações onde a Europa já e o ponto de partida e sobre a teoria e pratica de projectos europeus concretos.

A visão da Europa como um novo centro, a partir do qual se pode construir uma forte imagem anível cultural e politico, e uma visão contestada.Contudo, foi o sonho de um território europeu para as artes, coerente mas pluralista, que motivou iniciativas como os Encontros ACARTE. Esperemos que a sua terceira edição constitua um passo mais para a concretização desse sonho.

 

Polverigi, Junho de 1989

George Brugmans