sobre
Em Março começa também a primeira Exposição-Diálogo, organizada conjuntamente pelo Conselho da Europa e por aquele que, à data, era considerado “um dos museus de arte moderna mais jovens da Europa”, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, como nos diz Michael Marschall Von Bieberstein no catálogo da iniciativa.
Esta exposição, como se pode ler na imprensa da época: “Organizada pelo Conselho da Europa, […] foi elaborada por oito dos principais museus europeus de arte contemporânea, de onde provêm as 200 obras de cerca de 80 artistas que […] poderão ser vistas nos edifícios da Gulbenkian e do Centro de Arte Moderna. Numa conferência de Imprensa […] Azeredo Perdigão, classificando-a como um «acontecimento não só nacional, como internacional», frisou ser um «motivo de orgulho» o facto de Portugal ter sido o país escolhido para a realização da exposição. […] [O]s museus resolveram também apresentar os seus próprios auto-retratos, descrevendo o seu estatuto, fundos, métodos de trabalho e actividades, os quais poderão ser vistos no piso 01 da Gulbenkian”. (Diário de Lisboa, 29-3-1985)
Azeredo Perdigão referindo “as facilidades concedidas pela Direcção-Geral das Alfândegas, sem as quais [numa Europa ainda dividida por fronteiras internas] não teria sido possível a abertura da exposição na data prevista” explica também como apareceu a ideia de participar nesta iniciativa: “[…] Tudo começou em 1981 quando, numa reunião em Elfos, René Berger, presidente honorário da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA), propôs a realização periódica, em diferentes países, de exposições-diálogo, que reunissem um certo número de museus europeus de arte moderna. Ao fim de quatro anos de preparativos aí está a primeira da série. Qual o seu objectivo? Segundo Berger, ela destina-se a analisar a identidade cultural da Europa dos nossos tempos e a fomentar uma melhor compreensão dos movimentos artísticos e das mutações culturais, que com frequência confundem o público. Ao organizar a presente exposição, o Conselho da Europa respondeu assim, segundo Berger, à dupla constatação de que, «por um lado a arte desempenha um papel essencial na definição da nossa identidade cultural e por outro lado a procura desta identidade é reconhecida como uma necessidade crescente e profunda»”.(Diário de Lisboa, 29-3-1985)
Sobre a presença da performance nesta Exposição diz-nos igualmente a imprensa: “[…] É hoje habitual os museus patrocinarem esse novo meio de expressão que é a “performance”, no qual vêem “um factor determinante no cenário da arte actual”. Por esta razão, os directores dos museus representados na Gulbenkian consideraram que a exposição-diálogo não ficaria completa sem uma série de “performances”, às quais se juntam o teatro e a música.” (Diário de Lisboa, 29-3-1985)
Deste modo – e tendo como conselheiros Ole-Henrik Moe, Director da Fundação Sonja Henie-Niels Onstad e Jan Hoet director do Museu de Arte de Hedendaagse – a organização da parte da exposição dedicada à Performance ficou a cabo do ACARTE, que lhes juntou teatro e música.
Num texto intitulado “Para lá das Galerias de Exposição” (ou seja, no espaço do ACARTE, lugar onde as performances na Exposição-Diálogo terão, justamente, acontecido) Madalena Perdigão explica, por palavras suas, o que é a performance e por que razão o ACARTE propôs, a complementá-las, um programa de teatro e dança:
Para Lá das Galerias de Exposição
O que individualiza a “performance”, face à obra de arte plástica, é a “vida” de que se encontra imbuída e o envolvimento do próprio artista criador. A “performance” está ligada à noção de tempo. Ela dura, embora não perdure. Efémera – mais do que o são a música e o teatro, que têm registos próprios – a “performance” escapa mesmo ao vídeo:, que a não consegue captar inteiramente, até porque a câmara interfere na criação da obra, agindo sobre o artista. Na “performance” o artista “comunica” em moldes diferentes dos tradicionais. Expõe-se ele próprio, com o seu corpo, implica-se total e directamente. Meio não convencional, a legitimidade da “performance” como obra de arte constitui hoje uma realidade, pese embora às críticas que lhe são feitas e aos apelos que se verificaram a favor de um regresso exclusivo aos meios tradicionais da pintura e da escultura. O carácter provocatório e os objectivos político-sociais de muitas das “performance” prejudicaram durante muito tempo a sua aceitação. Actualmente, há quem afirme que a “respeitabilidade” que entretanto adquiriu constitui um entrave para o seu progresso. De qualquer forma, a “performance” tem já a’ sua história e os seus históricos. A sua presença viva no âmbito da Exposiçao-Diálogo sobre Arte Contemporânea representa um facto importante. Na verdade, entendeu-se que uma grande confrontação internacional como esta não poderia /imitar-se a apresentar pintura e escultura, ignorando o que ao longo dos últimos vinte anos acontecera e o que estava acontecendo noutros domínios. Escolheram-se portanto alguns “performers” representativos das várias tendências, com base nos respectivos currículos e, na maior parte dos casos, partindo de um conhecimento directo por parte dos Senhores Moe e Hoet. Assim: Wolf Vostel, Carlos Gordilho, Stuart Brisley, Fernando Aguiar. Marina Abramovic/Ulay e Ulrike Rosenbach suceder-se-ão ao longo da Exposição, “dando-se” e dando conta das suas experiências e do resultado das suas pesquisas. A complementar as “performances”, companhias de teatro com uma forte componente plástica, como a do Teatre de La C/aca e a do Teatro de Sombras de Lourdes de Castro e Manuel Zimbro; outras na crista da modernidade como a belga Jan Fabre e a finlandesa Jack Helen Brut. Além da música de Maurício Kagel, das Percussões de Estrasburgo e da Oficina Musical. As “performances”, o teatro e a música que vão ser apresentados no quadro da Exposição-Diálogo sobre Arte Contemporânea são-no por intermédio de artistas oriundos, nalguns casos, de países cujos Museus de Arte Contemporânea não estão representados. na Exposição. Não se trata de um acaso, mas de um propósito de alargar o âmbito da Exposição, que se pretende venha a suscitar um amplo debate sobre a arte contemporânea. O mesmo propósito levou à organização de vários colóquios e mesas-redondas, em que tudo é posto em questão. desde as “performances” à própria Exposição-Diálogo. Para 18 das galerias da Exposição, para além da pintura, da escultura, haverá pois “performances”, música, teatro, colóquios, mesas-redondas. Para a planificação deste programa, contámos com a inestimável colaboração do Senhor René Berger, Delegado da Comissão Organizadora da Exposição-Diálogo e dos Senhores Moe e Hoet, Directores, respectivamente, do Sonja Henie-Niels Onstad Foundations, Hovikodden; Noruega e do Museu van Medendaagse Kunst, Ghent, Bélgica, a quem apresentamos os nossos sinceros agradecimentos. Agradecemos também ao Conselho da Europa todo o apoio concedido e a excepcional oportunidade que nos proporcionou de fruirmos a arte contemporânea e de reflectirmos em conjunto sobre os seus problemas.
Março de 1985.
MARIA MADALENA DE AZEREDO PERDIGÃO
Directora do Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte
os eventos
Ficha Técnica
Organizadores
CONSELHO DA EUROPA E CENTRO DE ARTE MODERNA DA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Para Lá das Galerias de Exposição
O que individualiza a “performance”, face à obra de arte plástica, é a “vida” de que se encontra imbuída e o envolvimento do próprio artista criador. A “performance” está ligada à noção de tempo. Ela dura, embora não perdure. Efémera – mais do que o são a música e o teatro, que têm registos próprios – a “performance” escapa mesmo ao vídeo:, que a não consegue captar inteiramente, até porque a câmara interfere na criação da obra, agindo sobre o artista. Na “performance” o artista “comunica” em moldes diferentes dos tradicionais. Expõe-se ele próprio, com o seu corpo, implica-se total e directamente. Meio não convencional, a legitimidade da “performance” como obra de arte constitui hoje uma realidade, pese embora às críticas que lhe são feitas e aos apelos que se verificaram a favor de um regresso exclusivo aos meios tradicionais da pintura e da escultura. O carácter provocatório e os objectivos político-sociais de muitas das “performance” prejudicaram durante muito tempo a sua aceitação. Actualmente, há quem afirme que a “respeitabilidade” que entretanto adquiriu constitui um entrave para o seu progresso. De qualquer forma, a “performance” tem já a’ sua história e os seus históricos. A sua presença viva no âmbito da Exposiçao-Diálogo sobre Arte Contemporânea representa um facto importante. Na verdade, entendeu-se que uma grande confrontação internacional como esta não poderia /imitar-se a apresentar pintura e escultura, ignorando o que ao longo dos últimos vinte anos acontecera e o que estava acontecendo noutros domínios. Escolheram-se portanto alguns “performers” representativos das várias tendências, com base nos respectivos currículos e, na maior parte dos casos, partindo de um conhecimento directo por parte dos Senhores Moe e Hoet. Assim: Wolf Vostel, Carlos Gordilho, Stuart Brisley, Fernando Aguiar. Marina Abramovic/Ulay e Ulrike Rosenbach suceder-se-ão ao longo da Exposição, “dando-se” e dando conta das suas experiências e do resultado das suas pesquisas. A complementar as “performances”, companhias de teatro com uma forte componente plástica, como a do Teatre de La Claca e a do Teatro de Sombras de Lourdes de Castro e Manuel Zimbro; outras na crista da modernidade como a belga Jan Fabre e a finlandesa Jack Helen Brut. Além da música de Maurício Kagel, das Percussões de Estrasburgo e da Oficina Musical. As “performances”, o teatro e a música que vão ser apresentados no quadro da Exposição-Diálogo sobre Arte Contemporânea são-no por intermédio de artistas oriundos, nalguns casos, de países cujos Museus de Arte Contemporânea não estão representados. na Exposição. Não se trata de um acaso, mas de um propósito de alargar o âmbito da Exposição, que se pretende venha a suscitar um amplo debate sobre a arte contemporânea. O mesmo propósito levou à organização de vários colóquios e mesas-redondas, em que tudo é posto em questão. desde as “performances” à própria Exposição-Diálogo. Para 18 das galerias da Exposição, para além da pintura, da escultura, haverá pois “performances”, música, teatro, colóquios, mesas-redondas. Para a planificação deste programa, contámos com a inestimável colaboração do Senhor René Berger, Delegado da Comissão Organizadora da Exposição-Diálogo e dos Senhores Moe e Hoet, Directores, respectivamente, do Sonja Henie-Niels Onstad Foundations, Hovikodden; Noruega e do Museu van Medendaagse Kunst, Ghent, Bélgica, a quem apresentamos os nossos sinceros agradecimentos. Agradecemos também ao Conselho da Europa todo o apoio concedido e a excepcional oportunidade que nos proporcionou de fruirmos a arte contemporânea e de reflectirmos em conjunto sobre os seus problemas.
Março de 1985.
MARIA MADALENA DE AZEREDO PERDIGÃO
Directora do Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte
A maior parte das pessoas que visitam um museu esperam encontrar uma espécie de arquivo, onde vários objectos importantes são postos em exibição. […] A função de arquivo de um museu é essencial, a fim de permitir às sucessivas gerações o acompanhamento da evolução das técnicas e da procura constante do Homem pela expressão dos seus mais profundos sentimentos, através da Arte. Mas, deveria ser dito, para ser-se justo, que os museus também fornecem uma animação própria, por meio de séries de conferências, exposições temporárias especiais, demonstrando descobertas e ilustrando novas tendências, bem como, mais frequentemente, organizando sessões práticas de trabalho, visitas e excursões para crianças e adultos igualmente interessados.
Os museus de arte moderna têm, no entanto, uma nova missão específica neste campo. No despertar de, ou talvez simultaneamente com, a imensa riqueza da criação inovadora das artes nos tempos presentes, um novo meio tem vindo a ser desenvolvido, que não se pode classificar como arte visual, “teatro” ou “música”. Este novo meio é a “performance” – uma amálgama viva, inspirada, por vezes, pelas nove musas e ainda por algumas mais, com que nem os gregos teriam sonhado.
Se bem que este meio «compreensivo» de expressão não possa ser levado a efeito por um museu, no seu sentido tradicional, muitos museus contemporâneos têm-na reconhecido como um elemento-chave no panorama das artes dos nossos dias, e promovem regularmente “performances”. Por esta razão, a presente Exposição-Diálogo sobre Arte Contemporânea na Europa não estaria completa sem uma série de performances. apresentadas por alguns dos principais artistas da actualidade. […] A “performance” dará mais vida à Exposição-Diálogo. […] Este projecto total é uma tentativa determinada e corajosa, tendo por finalidade expandir as dialécticas teóricas da arte e sociedade, dando uma visão pragmática sobre o papel dos museus de arte moderna na sua busca pela identidade cultural europeia de hoje. E também finalidade a integração do artista – tantas vezes “escondido” atrás da sua pintura ou escultura – num diálogo com o público, ou seja, com a sociedade em geral. Um facto notável, que gostaria de sublinhar, é que tenha sido possível organizar a primeira -Exposição-Diálogo sobre Arte Contemporânea. num dos museus de arte moderna mais jovens da Europa. Este projecto realiza-se em Lisboa, como tributo ao dinamismo e à generosidade dos administradores da Fundação Calouste Gulbenkian. Sentimo-nos igualmente penhorados para com os Directores de todos os Museus participantes e para com os seus quadros de pessoal, pelo esforço tenaz desenvolvido – e pelo apoio prestado por vários departamentos governamentais.
MICHAEL MARSCHALL VON BIEBERSTEIN
Director de Educação. Cultura e Desporto
Conselho de Europa
No panorama multifacetado da cena artística, a categoria performance/acção/happening, ocupa um lugar importante. Desde o alargamento do campo artístico, nos últimos dez anos, com as experiências de Dada e o surrealismo, e o seu desenvolvimento e repercussão no segundo pós-guerra; através do movimento Fluxus, nos anos 50, e das várias formas de expressão corporal nos anos 60; e, ainda, a passagem para os meios electrónicos nos anos 70 – houve uma tendência no sentido da inclusão deste género de expressão artística nas artes plásticas. A dificuldade relacionada com este tipo de manifestação artística é a sua qualidade efémera, a qualidade do que não perdura, do que é momentâneo. É indiscutivelmente a arte do momento, mesmo que esse momento possa abarcar horas e dias.
Assim sendo, como poderá ser perene, como qualquer obra de arte plástica? Qual a sua diferença de um concerto ou de uma peça de teatro? Existem certamente diferenças. Algumas acções são compostas, meticulosamente planeadas e escritas sobre papel. Outras surgem espontaneamente de uma situação, de um acontecimento ou do nada. Têm, por vezes, uma marcada tendência ritualista. Outras utilizam a música, a arte pictórica, o vídeo ou as projecções; algumas são inteiramente improvisadas, outras totalmente compostas. O único denominador comum é a negativa. Não pode ser classificada como teatro, concerto ou outro qualquer género de espectáculo organizado. É sempre algo intermédio: teatro musicado-música teatral, exibição-exibicionismo, acção pictórica-pintura de acção. Certos museus acharam importante dar apoio a este género de actividades integradas. Actividades que introduzem, sem sombra de dúvida, novas ideias no meio das artes. Uma forma de arte pode estimular e dar novo material de trabalho para outra forma artística. Várias novas tendências tornaram-se indiscutivelmente conhecidas por este meio. […] E o que resta das suas performances, das suas acções efémeras que entusiasmaram e excitaram tantas pessoas? Alguns destes artistas deixaram traça, sob a forma de objectos, pinturas, colagens e outros géneros de trabalho artístico resultante das suas acções. Mas estes objectos dão-nos uma pálida noção do que de facto se passou. Os fatos salpicados de sangue que a acção-Nietsch deixou, só nos dão um eco remoto do que foi a realidade. Uma documentação, tão completa quanto possível, é necessária para lembrar o conteúdo da “performance”. Pode ser feita através de uma série de fotografias. Ainda melhor, porém, é um filme ou um vídeo. Tal documentação pode fazer parte da colecção de um museu, tão legitimamente quanto outra peça de arte. É comparável à documentação de trabalhos ou acontecimentos, tais como “Valley Curtain”, “Running Fence” ou “Surreunded Island”, da autoria de Christo. No entanto, o conteúdo estético de tais “performances” ou acontecimentos reside principalmente na acção, e nela somente. Se citarmos as palavras de Paul Klee: uma peça de arte deveria mostrar sempre a sua génese, é nas “performances” e acções que a encontramos na sua forma mais pura, já que a génese e o trabalho constituem, neste caso, uma única peça. As mesmas implicações podem ser encontradas no velho provérbio Taoísta: a forma é o objectivo. Devemos concluir que a “performance” é uma importante categoria de espectáculo no seio da arte contemporânea, uma categoria que nos pode oferecer diversas grandes experiências – experiências do momento, é verdade, perdurando todavia no nosso espírito como as reminiscências de toda a grande obra de arte que se contemplou. Mas que não voltaremos a ver.
OLE-HENRIK MOE
Director da Fundação Sonja Henie – Niels Onstad
No Exacto Momento os museus optam pelas mais recentes tendências artísticas e oferecem ao artista vivo um mais vasto leque de acção, os museus tornam-se necessariamente assessores dos limites vanguardistas inerentes à arte contemporânea. Assim como o artista ou o indivíduo têm que ultrapassar certas inibições, para atingirem uma autonomia autêntica, o museu deve igualmente superar as suas próprias (e as do público). Também no que se refere à declaração de intenção, estabeleceu-se uma espécie de sólida camaradagem entre o artista e o museu, a tal ponto que o museu deixou de preferir a estabilidade e, inequivocamente, deu preferência à aventura. O museu tomou incondicionalmente lugar ao lado do artista mas, apesar de tudo, está consciente do perigo de um repentino confinamento que levaria à distorção e rotura do artefacto, e da história de arte, bem como a um enfraquecimento do papel restritivo e crítico do significado da arte. Este perigo não se torna real quando o museu, como no caso da Exposição-Diálogo, se expõe, ele próprio, e tem a intenção de inserir as peças seleccionadas numa perspectiva histórica que exclua toda a insegurança. Agrava-se aquele perigo quando os museus encaram estes trabalhos como um meio de apropriação do halo do factor criativo que reside por detrás da arte. Neste caso, o museu deveria precaver-se e não partir da ideia de conservação, mas da de apresentação da arte contemporânea. De modo a demonstrar, da melhor maneira, que os museus optam por uma posição intermédia foi, na generalidade, sentida a necessidade de alargar as fronteiras desta exposição com uma série de “performances”. Actuando desta forma, o objectivo original de um diálogo entre museus, transforma-se num verdadeiro diálogo entre o museu e o próprio artista. Assim, a apresentação de “performances”, escolhidas sobre os mais variados temas, não deve ser considerada como um género de atracção, nem como um acessório espectacular. Pelo contrário, são metáforas de um museu, tais como organismos vivos, porque acentuam a presença do artista que, ao mesmo tempo, se torna o “pivot” de toda a exposição e que se confronta directamente com o público pela originalidade da sua representação. É um fenómeno intrinsecamente relacionado com o trabalho artístico, tal como as condições físicas e mentais do artista, o seu poder de concentração e a sua dedicação: o poder do gesto e a parte de imponderabilidade podem ser ainda observados durante a “performance”. A assistência tem a sensação nítida de participar neste processo. A vivência do diálogo entre a audiência e o criador torna-se tangível e audível, e ocorre, simultaneamente, com o processo integral do crescimento da obra de arte. O carácter efémero deste género de experiência artística é compensado pela intensidade do momento em que o artista leva essa mesma intensidade até uma dimensão que faz com que as Imagens penetrem, com igual poder, na memória dos espectadores. Cabe ao espectador abrir a porta a uma tal intensidade. Esta experiência pode mudar a sua atitude para com as obras de arte clássicas ou para com o artefacto limitado, ou, ainda, como alguém descreveu, por ocasião da “performance” Travessia do Mar da Noite, da autoria de Ulay-Abramovic. Nunca vi ninguém olhar para uma obra de arte durante tanto tempo.
JAN HOET
Director, Museum van Hedendaagse Kunst
A imprensa – explicando, comentando, situando, atribuindo-lhe e compreendendo-lhe o alcance – seguiu de perto esta iniciativa que foi “muito mais do que uma panorâmica da mais recente arte europeia” motivando, não sem polémica, a organização de uma outra exposição, paralela, na SNBA, onde foram expostos artistas portugueses, bem como um esforço por parte das galerias lisboetas em expor artistas contemporâneos portugueses.
É todo um posicionamento face à arte contemporânea que parece estar em causa, como nos diz o mesmo jornalista, comentando a arquitectura do Centro de Arte Moderna: “No Centro de Arte Moderna, o clima é outro. Branco, metálico e gelado. O culto contemporâneo do aço e do movimento, mesmo quando suspenso ou antevisto numa potencialidade. […] Este é o território por excelência da Europa industrializada, perplexa com a existência e o progresso, lançada na busca de uma actualização de expressões, de uma igualdade de hipóteses. […) Porque (e eis onde esta grande exposição colectiva fatalmente nos conduz) existem em Portugal excelentes artistas que podem dialogar formalmente com as mais avançadas correntes estéticas mundiais, apenas são amesquinhados e quase ridicularizados nas galerias, por quem de direito poderia adequar-se à sua divulgação, e nunca o contrário, num País em que secularmente se honra o fácil e o manejável no terror de um fracasso e na ausência perpétua de uma vitória. […] Importa reter, acima de tudo, a importância cultural deste instante e, assim, a legitimidade da Gulbenkian ao aceitar a honra de ser anfitrião deste espólio europeu. Importa, também, reter a rápida resposta das galerias portuguesas e o empenho geral em, paralelamente (e ainda bem, dado o pouco realce que a Gulbenkian dispensou aos nossos artistas) revelar não só trabalhos de autores por demais conhecidos nestas andanças como obras recentes da mais nova geração de artistas.” (Paulo Nisa, jornal não identificado, arquivo do ACARTE, 12-4-1985)
Também sobre a programação de performance se ouvem comentários à escassa participação portuguesa. Numa crítica de Manoel Barbosa escrita depois da mesa redonda “as performances em questão”, encontrada no arquivo do ACARTE (e curiosamente assinalada à mão por Madalena Perdigão com o comentário «ter presente na próxima mesa-redonda») pode ler-se: “Segundo Madalena Perdigão, directora do Serviço de Animação do CAM […] entendeu-se que uma grande confrontação internacional como esta não poderia limitar-se a apresentar pintura e escultura, ignorando o que ao longo dos últimos vinte anos acontecera e o que está acontecendo noutros domínios. Escolheram-se portanto alguns “performers” representativos das várias tendências, com base nos respectivos currículos. A escolha dos “performers” portugueses e de um ou outro estrangeiro motivará o espanto, e logo, mais serenamente, a dedução de uma enorme falta de conhecimento do que em Portugal e noutras latitudes se está exibindo: se o CAM tivesse consultado o Serviço de Belas Artes da F. Gulbenkian, por certo constataria “com base nos respectivos currículos” (biografia, bibliografia e demais documentos), que outros artistas lusos são “representativos das várias tendências” revitalizadoras da performance […]” (Manoel Barbosa, O Jornal, 12-4-1985) .
É de notar que, como a imprensa nos permite também entrever, em Abril de 1985, estando a Exposição-Diálogo a decorrer, teve lugar em Torres Vedras o 1º Encontro Nacional de Performance, organizado por Manoel Barbosa e Fernando Aguiar: “Em Torres Vedras, o “1º Encontro Nacional de Performance” termina, hoje e amanhã […] nos claustros do Convento da Graça, em paralelo com a exibição de vídeo-arte na Galeria Nova […].” (Expresso, 27-4-1985).