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No programa de Jazz em Agosto 1987, que também este ano conta com vários workshops, Madalena Perdigão traça um breve panorama do que tem sido o percurso desta iniciativa, desde a sua criação em 1984:
Improvisar em música é como gozar de liberdade num regime político democrático.
É-se livre dentro de certos parâmetros (em particular os de não prejudicar a liberdade dos outros) e com o apoio de determinadas estruturas. A improvisação é hoje em dia comummente utilizada na música erudita ocidental, tanto ao nível dos compositores como ao dos intérpretes e contrariamente ao que aconteceu no Romantismo. Tem sido presença constante nas músicas oriental e africana e na música popular de todos os continentes. O Jazz, cuja história ainda não conta com um século, fez desde sempre apelo à improvisação. Pode afirmar-se que esta constitui uma das suas principais características, juntamente com a incorporação de fontes primitivas ou da tradição viva. A música de Jazz individualiza-se, ainda por um outro aspecto, que é o de exigir a participação criativa do público. Se tal fosse ainda necessário, as diversas circunstâncias que atrás se evocaram, aliadas ao interesse manifestado pelo público, justificariam a inserção do Jazz nos programas culturais da Fundação Calouste Gulbenkian. No que ao ACARTE respeita, essa inserção tem-se verificado desde o primeiro ano da criação do Serviço, quando este ainda ensaiava os seus primeiros passos. Foi primeiro, em Agosto de 1984, a apresentação de quatro agrupamentos portugueses de Jazz – um dos quais, o Sexteto de Jazz de Lisboa, então se estreou e outros se afirmaram, como o Quarteto de António Pinho Vargas, Maria João e o Shish – e depois, em cada um dos anos seguintes, a realização de séries de concertos por músicos nacionais e estrangeiros, alguns dos quais de grande nomeada, como Sun Ra, Dave Holland, Steve Lacy e Paul Motian. A política do Jazz em Agosto tem sido uma política aberta, abrangendo artistas das mais variadas tendências, desde os que se conservam fiéis ao peso da tradição até àqueles que apontam vias possíveis do Jazz no futuro. O mesmo vai acontecer neste ano de 1987, em que se faz sentir a presença negro-americana através de Grupos tão prestigiados como o Art Ensemble of Chicago e o World Saxophone Quartet, mas em que o Jazz europeu aparece também significativamente representado pelo Jan Garbarek Quartet, um quarteto internacionalista cujo titular é norueguês. A participação portuguesa estará a cargo do pianista Mário Laginha e do seu Decateto (uma novidade) e do Trio Shish com um convidado de reputação internacional, Carlos Zíngaro. Em ambos os casos, as perspectivas são aliciantes. Além dos concertos, acentua-se este ano a vertente formativa de Jazz em Agosto: haverá dois amplos workshops, um de Big Band,
sob a direcção de Zé Eduardo, contrabaixista português radicado em Barcelona, e outro dirigido pelos membros do Jan Garbarek Quartet, incluindo uma sessão dedicada a crianças pelo percussionista brasileiro Nana Vasconcelos. Um jovem artista plástico, José Eduardo Rocha, assina o cartaz, o desdobrável, os bilhetes e o programa de Jazz em Agosto 87 e Alberto Lopes é o autor da concepção cenográfica a utilizar no belo quadro natural do Anfiteatro de Ar Livre onde se realizam os concertos. O envolvimento natural e cénico, o cuidado posto na luz e no som e a magia da noite vão decerto contribuir para a vivência da música que se irá ouvir. E se, como afirmou Manuel de Falia, a música não se faz para ser compreendida, mas para ser sentida, resta-nos esperar que assim aconteça com os espectadores de Jazz em Agosto 87. Resta-nos esperar que sintam essa música de Jazz mesmo quando, por hipótese, a não compreendam.
Lisboa, Julho de 1987
M. M. A. P.
os eventos
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