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Testemunho da grande vitalidade da dança em Portugal, o ano de 1989 começa com uma Mostra de Dança Portuguesa em que são apresentados pequenos agrupamentos independentes, dando-se assim continuidade a um trabalho iniciado por Madalena Perdigão anos antes com a criação do Ballet Gulbenkian e, dentro deste, dos Estúdios Coreográficos.
Madalena Perdigão explica a iniciativa:
Dentro da sua politica cultural de carácter internacionalista e, em particular, europeísta, tem o ACARTE vindo a apresentar ao publico português um grande numero de grupos e companhias de dança, agrupando-os por vezes sob uma mesma bandeira nacional. A selecção dos grupos vem sendo feita com o objectivo de mostrar o que existe de novo em cada pais e de apresentar o lado experimental das diversas propostas artísticas. No entanto, pelo facto de ter uma vocação internacionalista, nem por isso o Acarte deixa de estar atento aos valores portugueses e pretende faze-lo também no domínio da dança. Dai a apresentação desta Mostra de Dança Portuguesa Contemporânea, necessariamente incompleta, a qual foi buscar companhias constituídas ad hoc ou não abrangidas pelos circuitos oficiais ou institucionais. Trata-se de dar oportunidade a experiencias que de outro modo poderiam ficar marginalizadas, trata-se de lazer sentir a estas pequenas companhias que estamos com elas, que compreendemos 0 seu esforço e que queremos auxilia-las a continuar, no caminho do experimentalismo e da inovação. Oxalá o publico corresponda as nossas expectativas, rodeando de interesse, de polémica, mas também de carinho, os bailarinos, iluminadores, músicos e coreógrafos que participam nesta primeira Mostra de Dança Portuguesa Contemporânea. Isso animar-nos-á a prosseguir no caminho começado com a criação dos Estúdios Coreográficos, ao tempo em que dirigíamos o Serviço de Musica da Fundação Calouste Gulbenkian, iniciativa felizmente retomada por este Serviço depois de alguns anos de interrupção e que tem contribuído de maneira notável para a revelação de novos valores no panorama coreográfico português. A Mostra que agora apresentamos e relativamente modesta, lace aos potenciais valores do nosso meio artístico. Assumimo-la como um principio de algo que poderá constituir uma importante manifestação da nossa cultura no domínio da dança.
Dezembro 88
Maria Madalena de Azeredo Perdigão
Na imprensa pode ler-se:
[Dança Portuguesa Contemporânea] é uma mostra com o intuito de dar oportunidades a experiências de pequenas companhias, constituídas “ad-hoc” ou não abrangidas pelos circuitos oficiais ou institucionais. […] Para a criação de ”Linha”, Rui Horta reuniu os seus amigos: Luís Cília, que compôs a sua mais longa obra; Isabel Trovão, jovem estilista recentemente formada pelo IADE e já com uma participação na Portex In e um convite para a Portex Outono/Inverno 89/90, que criou os figurinos; Paulo Graça, que concebeu os desenhos de luzes, e cinco jovens bailarinos, todos eles com frequência internacional de vários cursos de dança – Paulo Ribeiro, Clara Andermatt, Carlota Lagido, Inês Bernardo e Francisco Camacho.” (Tempo, 12-1-1989)
Na entrevista ao grupo de bailado Aparte […], vem uma citação mínima que diz: “O Aparte é a única entidade interessada em promover as novas tendências da dança”. Ora, o que se passa é que não é Aparte, mas sim Acarte, sigla do serviço dirigido pela Dr.ª Madalena Perdigão da FCG, na íntegra, Serviço de Animação, Criação Artística e Educação pela Arte. Num País em que a Secretaria de Estado da Cultura e outras entidades oficiais votam tudo o que é novo ao abandono e esquecimento, esta senhora é a única pessoa que ainda dá hipóteses a novos grupos e a novas artes de mostrarem o seu trabalho, correndo a mesma, muitas vezes, o risco de ser sujeita à crítica pela sua ousadia. Por ser demasiado importante e por querermos realçar o trabalho desenvolvido em Portugal pelo serviço Acarte da FG, não podemos deixar de fazer a devida correcção. Se somos rigorosos na crítica, também o queremos ser no reconhecimento que devemos a determinadas pessoas.” (A Capital, 26-1-1989)
O Serviço ACARTE da FCG irá trazer ao Porto, mais precisamente ao Auditório Nacional de Carlos Alberto, nos próximos dias 20,21 e 22, o bailado “Linha”. […] paralelamente a esta mostra de dança contemporânea portuguesa vai realizar-se um programa de vídeo para dar a conhecer novos coreógrafos e coreografias. Presentes estarão trabalhos dos grupos de dança contemporânea agora dados a ver, assim como de Vera Mantero (bailarina e jovem coreógrafa do Ballet Gulbenkian) e uma experiência de coreografia de Madalena Vitorino. Esta mostra terá lugar no “hall” do CAM, em Lisboa. (O Primeiro de Janeiro, 8-1-1989)
Se excluirmos as duas mais antigas companhias de Lisboa (o Porto continua à espera que uma luz de vontades e iniciativas o despertem), penso que podem desde já definir-se perfis para as tendências dos jovens agrupamentos portugueses. E aí temos Rui Horta e Amigos estabelecendo uma “linha” entre a modern dance e a dança contemporânea, com seus sinais (momentos coreográficos funcionando umas mais outras menos vezes). E no outro topo dessa “linha”, avançando a grande velocidade, Margarida Bettencourt com o seu Aparte. […] Por agora, Margarida Bettencourt parece-me o mais sensibilizado dos nossos coreógrafos para esta corrente balética. Só tempo dirá, porém, se valeu a pena um certo desperdício de talento, para dizer como Corregio diante de Rafael, “eu também sou capaz de ser…”, não pintor mas criador de novas formas coreográficas. […] jamais Margarida Bettencourt se esquece de que é bailarina e que só pode inventar um novo código de dança, se realmente dançar. […] Como tantos dos melhores grupos que nos visitam – ela merece um alto patrocínio que lhe permita alongar voos domésticos para além-fronteiras. (Manuela de Azevedo, Diário de Notícias, 26-1-1989)