sobre
Após o sucesso da Mostra de Dança Holandesa Contemporânea de 1987, em 1988 o ACARTE organiza uma Mostra de Teatro Holandês Contemporâneo, “movendo-se numa região em que as fronteiras do teatro tradicional se esbatem, puramente teatro de imagens ou predominantemente visual, recorrendo a combinação com outras disciplina”. Madalena Perdigão refere o caso da Holanda como um exemplo de boas práticas no que diz respeito ao fomento das artes performativas: No programa da iniciativa pode ler-se:
A Mostra de Dança Holandesa Contemporânea, realizada de 4 a 16 de Novembro de 1986, constituiu uma revelação para o publico português. A surpresa inicial sucedeu-se uma adesão entusiástica da assistência, que em todos os espectáculos superlotou a Sala Polivalente e aplaudiu eloquentemente as companhias então apresentadas: Bart Stuyf & Company, Intro-Dans, Harry de Wit-Shusaku Takeuchi-Isabelle Guillaume e Dansgroep Kristina de Chatel. A surpresa justificava-se. A Holanda e um pequeno pais, geograficamente falando, a sua actualidade cultural e em geral mal conhecida entre nos e no dominic da dança, receio-o bem, para alem das grandes companhias e dos coreógrafos mundialmente famosos, poucos teriam ouvido falar do borbulhar de pequenos grupos com características experimentais e inovadoras. Foi uma revelação, portanto, que aguçou o apetite para se saber mais do panorama artístico holandês, sobretudo em aspectos de modernidade.
A presente MOSTRA DE TEATRO HOLANDES responde a essa inteligente e justificada curiosidade. Movendo-se numa região em que as fronteiras do teatro tradicional se esbatem, puramente teatro de imagens ou predominantemente visual, recorrendo a combinação com outras disciplinas – designadamente marionetas e uma mímica que pouco tem a ver com a de Marcel Marceau – vão apresentar-se nesta Mostra quatro companhias demonstrativas da criatividade e da originalidade do teatro holandês contemporâneo. Não houve a pretensão de ilustrar exaustiva ou sequer pontualmente o panorama teatral holandês, que alias é considerado como um dos mais variados da Europa. Houve, sim, a preocupação de demonstrar a existência na Holanda de um teatro de características especificas, que pode abrir novas pistas e fazer descobrir novos horizontes ao jovem teatro português. O que não poderá acontecer sem apoios. A riqueza do actual teatro holandês resulta duma politica teatral de mais de 20 anos, que engloba a concessão de subsídios por autoridades locais (governos municipais e provinciais) e pelo Ministério da Cultura.
Outras facilidades, como a transformação de fabricas, de escolas e de igrejas em espaços teatrais, atribuições de meios técnicos e administrativos profissionais e o auxilio a jovens directores, por exemplo, contribuíram também
para o florescimento do teatro holandês. Há também a importante intervenção do Conselho das Artes, que pressionou as companhias dependentes do dinheiro estatal no sentido de renovarem o seu repertório. Last but not least, existe o Instituto Neerlandês de Teatro, cuja acção junto das companhias e do público em geral se tem revelado do maior interesse e sem cuja colaboração não poderíamos ter apresentado, nem a Mostra de Dança Holandesa Contemporânea, em 1986, nem a presente Mostra de Teatro Holandês. Os resultados da politica teatral que vimos falando estão à vista: cerca de 1500 espectáculos novos por ano, num total de produções que inclui os grupos semi-profissionais locais. Bem entendido, não temos que copiar senão o que é bom. Devemos descobrir os nossos próprios e específicos caminhos de progresso. Mas uma reflexão sobre os exemplos dos outros ajuda sempre. Que esta Mostra de Teatro Holandês contribua para alargar os horizontes dessa necessária reflexão por parte de todos: entidades oficiais e particulares, actores, directores e publico – não apenas o que se diz amante de teatro, mas também aquela grande massa que se interessa pelos problemas da nossa cultura.
M.M.A.P.
Lisboa, 19 de Março de 1988
O TEATRO HOLANDÊS
Estima-se que a produção anual de espectáculos de teatro, dança e multidisciplinares na Holanda seja actualmente de 1500 (mil e quinhentos). Esta profusão de espectáculos teve a sua origem nos meados dos anos sessenta, em grande parte devido ao mérito de do is grandes promotores do experimentalismo teatral: RITSAERT TEN CATE e STEVE AUSTEN. Ritsaert Ten Cate fundou em 1966, num edifício vazio de uma quinta que adquiriu nos arredores de Amesterdão, o MICKERY THEATER com o objectivo de estimular criações experimentais de origem holandesa. No entanto os resultados dessas experiencias foram um
autêntico fracasso. O que levou Ten Cate a enveredar pela divulgação de grupos estrangeiros de outros países, nomeadamente da Gra-Bretanha e Estados Unidos.
É com a apresentação na Holanda e Europa Ocidental de grandes criadores como Robert Wilson, Elephant Theater (mais tarde Squat), La Mama que Ten Cate ira
influenciar e estimular a criatividade dos jovens artistas holandeses.
E ainda o Mickery Theater que, em Amesterdão, vai revolucionar o conceito dos espaços teatrais ao construir em 1972 uma das primeiras caixas negras: espaço vazio, com assentos adaptáveis, especial mente desenhado para permitir uma infinidade de dispositivos cénicos. Entretanto, Steve Austen começou a organizar no quarto andar de um monumental edifício do séc. XVIII, situado num dos canais de Amesterdão e a que chamou SHAFFY THEATER, acontecimentos teatrais de pequena envergadura. Com o decorrer dos anos, o Shaffy Theater irá divulgar um
numero cada vez mais crescente de jovens companhias e artistas holandeses e ocupar progressivamente todo o edifício, possuindo hoje 3 espaços teatrais, 2 salas de cinema e vários espaços para ensaios e workshops. E assim, com os mais diversos apoios, foi surgindo na Holanda um dos mais ricos panoramas teatrais da Europa em que um numero significativo de artistas e grupos experimentais, de grande qualidade, alcançou prestígio dentro e alam fronteiras. São quatro dos melhores espectáculos de criadores já famosos e com estéticas completamente diversas que o Serviço ACARTE, com a colaboração do Instituto NeerIandês de Teatro, vai apresentar em Lisboa, Porto e Coimbra.
Na imprensa pode ler-se:
MOSTRA HOLANDESA
Noutros tempos, via-se algum teatro francês em Lisboa. Agora, vez por outra, companhias de outros países também vêm a Portugal. Companhias portuguesas também vão lá fora, mas já não ao Brasil, como antigamente. Da passagem do teatro holandês pela nossa capital nos fala aqui o nosso crítico Fernando Midões. (Fernando Midões, Diário Popular, 1-4-1988)Na Holanda a produção anual de espectáculos de teatro, dança e multidisciplinares atinge hoje mais de mil e quinhentas produções. (…) A saga de experimentalismo teatral holandês sobrevém de um imenso fracasso. Com efeito, quando em 1966 Ritsaert Tem Cate fundou o Wickery Theatre, num edifício vazio de uma quinta que adquiriu no arredores de Amesterdão, o objectivo de motivar a criação teatral experimental de origem holandesa acabou por redundar num fracasso, o que o levou a impulsionar a apresentação no seu país de grupos estrangeiros como os de Robert Wilson e do Elephant Theatre e dessa forma estimular a criatividade de jovens artistas holandeses. Ao mesmo tempo que o Wickery Theatre ia renovando a concepção dos espaços teatrais (construindo em 1972 uma das primeiras “caixas negras”), Steve Houston, outro dos grandes promotores do experimentalismo teatral, fundava o Saffy Theatre, num monumental edifício oitocentista, situado num dos canais de Amesterdão, criando acontecimentos teatrais de pequena envergadura. (…) Para lá do ciclo de teatro holandês, o centro de Arte Moderna reservou para o mês de Abril dois espectáculos da Companhia de Dança de Lisboa, no âmbito do colóquio sobre as perspectivas da dança nos finais do século XX. (Expresso, 26-3 -1988)
Até 1965 a história do teatro holandês era narrável pela biografia e estrutura dos seus espaços cénicos, amplos e tradicionais teatros urbanos, à maneira italiana, e cuja construção remontava, em alguns casos, a 1830. Quando, nos primeiros anos de década de 60, um projecto de descentralização cultural promoveu a edificação de novos espaços, estes cultivavam ainda o mesmo tipo de lugar teatral. As primeiras montagens de teatro experimental na Holanda ocorreram em Amesterdão, por iniciativa de Ritsaer Ten Cate e Steve Austen. Ten Cate, um publicitário, fundou o Mickery Theatre em 1966 instalando-o num edifício abandonado nos arredores da capital. O seu plano original de impulsionar a criação de grupos experimentais redundou, porém, num fracasso e Ritsaert fez-se empresário convidando grupos estrangeiros, nomeadamente da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Até 1972, o Mickery era um dos poucos espaços na Europa onde se podia assistir às produções de Bob Wilson, La Mama ou do Elephant Theatre, quase ignorados nos seus próprios países. Austen, por sua vez, intentava um outro processo. No quarto andar de um monumental edifício do século XVIII, situado num dos canais de Amesterdão, organizava acontecimentos teatrais de pequena magnitude, apostando em proporcionar meios de produção a modestas companhias que iam surgindo na Holanda. Chamou ao espaço o Shaffy Theater. (…) Os anos 70, com efeito, são uma época áurea não tanto pela qualidade das montagens como pela atitude dialogante que então se estabeleceu. Os pequenos grupos trocavam informações e material técnico, actuavam em palcos diversos e muniam-se de meios profissionais com os olhos postos no futuro. Era uma época de teatro de escala reduzida que preferia o teatro-música, o teatro-movimento e mesmo a dança moderna aos modelos clássicos. (José Mendes, Expresso, 16-6-1988)
SOLO/DUO: BRAVO!
Os aplausos rebentam na sala: “bravo! Clap, clap, clap. Merveilleuse! Clap, clap, clap. Encore!”… a actriz inclina-se em vénias redobradas para agradecer. Os aplausos continuam sempre, cada vez mais fortes: “Encore! Clap, clap, clap. Encore!” A actriz prossegue nas cortesias, adivinha-se alguma surpresa por tão calorosa ovação; ainda assim ela agradece sempre, sublime, “ravissante”, triunfadora, apoteótica até: Ingrid Kuijpers e Karina Holla em Solo/Duo, na Mostra de Teatro Holandês no espaço ACARTE.O público espreita divertido e silencioso. Ingris Kuijpers aplaude ainda, Karina Holla, a actriz, segue numa caricatura, vibrante da diva. Este é um excerto que escolhemos de Solo/Duo, uma proposta interessantíssima de duas actrizes excelentes. […] Mais uma vez tivemos oportunidade de assistir a uma mostra de Teatro estrangeiro, e só lamentamos que este tipo de iniciativas seja tão esporádico entre nós e não por qualquer espécie de síndrome de provincianismo do tipo “ ver o que e faz lá fora para actualizar o que se tem feito por cá”. Ou seja, ter oportunidade de contactar com o trabalho seja ele qual for, de outros países com experiências diferentes, “backgrounds” diferentes, é sempre um estímulo. E porque não uma sede de inspiração eventualmente para outros trabalhos? Mas existe uma razão que faz destas mostras um espaço especial para o confronto de ideias, e esta será um certo descomprometimento do público face aos trabalhos apresentados que me parece ser importante sublinhar. Assim, no caso de Solo/Duo, por exemplo, e se no lugar de duas holandesas desconhecidas tivéssemos um par de actrizes da nossa praça, estou em crer que pelo menos três convencionais chamadas ao palco teriam feito, em vez de duas como foi o caso. Na apreciação do espectáculo não entram em jogo considerações do género: “pois, mas ela até ganhou o prémio da melhor interpretação feminina em mil novecentos e troca o passo!” ou qualquer outra consideração do género que, no fundo, só prejudica a avaliação dos trabalhos e eventualmente, dos seus méritos. Trazendo grupos desconhecidos do grande público, antes de mais nada possibilita-lhe esta visão desprendida dos referenciais que normalmente condicionam a apreciação que se faz aos trabalhos nacionais que pelos vistos não terá assim tanta razão de ser.” (Lúcia Sigalho, Tempo, 28-4-1988)
Ficha Técnica
Patrocínios
INSTITUTO NEERLANDÊS DE TEATRO, MINISTÉRIO DO BEM-ESTAR, SAÚDE PÚBLICA E CULTURA HOLANDÊS, MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS, SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA
Agradecimentos
EMBIAXADA REAL DOS PAÍSES BAIXOS, DRª THEDA VAN ROYEN OLIVEIRA