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Decorrendo de Julho a Setembro, o projecto Almada consistiu numa exposição organizada pelo Centro de Arte Moderna, um colóquio, 3 espectáculos, e no multimédia Almada, Nome de Guerra, da autoria de Ernesto de Souza. Nas brochuras das várias iniciativas que compuseram este projecto, Madalena Perdigão explica porquê Almada, porquê o seu teatro e por que razão teatro. Almada foi, nas suas palavras, o primeiro projecto em que pensou quando decidiu regressar à Fundação. Madalena Perdigão sublinha o carácter multifacetado e pluridisciplinar da obra do autor, bem como a sua atitude inconformista e virada para o futuro:

 

O primeiro projecto em que pensei, quando decidi aceitar o convite para regressar à Fundação Calouste Gulbenkian, foi o projecto Almada Negreiros. Por se tratar de um grande artista português. Por ser homem de talentos multifacetados que propiciavam a realização de manifestações culturais pluridisciplinares. Pelo facto de a sua obra ter um peso particular no Centro de Arte Moderna, constituindo a porta de ingresso na sua galeria. Por ter sido sempre um homem do futuro, do risco, do inconformismo.

Almada, portanto.

E porquê o teatro de Almada?

Porque o teatro de Almada tem fermento de novidade, tem impressa a marca

da modernidade.

E por ser teatro. Porque o teatro anda à procura do caminho que é o seu no mundo moderno e porque importa ajudá-lo a encontrar-se.”

 

Maria Madalena de Azeredo Perdigão

 

No entanto, é este mesmo carácter multifacetado e inconformista que João Gaspar Simões parece criticar num artigo em que faz ressaltar a personalidade ‘exibicionista’ de Almada: “Almada, em minha opinião, nem mesmo pode ser considerado “pintor”. […] Este é um dos paradoxos da carreira de Almada Negreiros, que foi um pouco de tudo – caricaturista, poeta, contista, romancista, dramaturgo, conferencista e, porque não?, pintor igualmente – embora em tudo quanto fez, ou disse, o que realmente avulta é o “inventor do dia claro”, título por ele dado a um dos seus mais belos documentos poéticos. Em verdade, sendo muita coisa, Almada não foi especificamente, coisa alguma em si mesmo. […] Almada foi mais importante como parceiro dos modernistas do que como artista em si, como personalidade individual. […] É no Portugal Futurista, já de 1917, número único da revista com que Santa Rita Pintor quis implementar em Portugal a escola de Marinetti, e graças à sua presença no Teatro República, onde, em Abril do mesmo ano profere uma “conferência manifesto” largamente agitada pelo cabotinismo do mesmo Santa Rita Pintor, que José de Almada Negreiros atinge o primeiro plano do escândalo na história do movimento modernista. Aí, sim, Almada exibia-se na plenitude dos seus dons, que eram muitos, realmente, mas todos eles mais da esfera da exibição propriamente dita do que da esfera da meditação.” (João Gaspar Simões, Diário de Notícias, 9-8-1984)

A propósito da exposição Almada e o Espectáculo, e dando como exemplo também a ‘Sessão Futurista’, o crítico de teatro Carlos Porto parece partilhar a mesma opinião: “Esta exposição documenta o interesse que ao longo da sua vida Almada manifestou pelo espectáculo, e em especial pelo teatro. […] No entanto esta exposição parece provar […] que o espectáculo e em especial o teatro representaram uma realidade menor na obra vasta de Almada. […] o melhor que Almada fez, neste capítulo, tem a ver não com a sua personalidade de criador teatral mas com a sua personalidade teatral. Por outras palavras: Almada, homem de espectáculo foi sobretudo um homem-espectáculo. Como escreve Pavão dos Santos: “Teatro é ainda, e forte, em 1915, “A cena do Ódio” ou o “Manifesto Anti-Dantas” […] teatro, e do mais sensacionalista, foi a “Sessão Futurista” com que Almada fulminou a pacatez desta Lisboa, à beira Tejo, no alto do palco do Teatro da República (em breve São Luíz), em 4 de Abril de 1917.” (Diário de Lisboa, 25-9-1984)

Em A Capital, por seu lado, é feita referência ao trabalho de Almada com artes ditas ‘menores’ como a banda desenhada, à qual o Acarte também haveria de conferir importância: “Há, porém, uma faceta do versátil artista que não mereceu destaque na grande exposição. Uma faceta desprezável? Uma faceta por demais excêntrica para poder passar por engraçada? “Poeta d’Orpheu, futurista e tudo” Tudo…menos desenhador de jornais infantis e de histórias aos quadradinhos. E todavia, Almada Negreiros não recusou o seu nome e o seu traço ao Abc-zinho, nem ao Pim-Pam-Pum.” (A Capital, 13-9-1984)

Para além de muito se debater a personalidade e a obra de Almada, vários foram os comentadores que se perguntaram ‘porquê agora’, título de um artigo de João Conde Veiga no Diário de Notícias, fazendo alusão ao passado recente do país: “Porquê Agora? […] Para já, talvez comece a ficar a palavra de ordem (neste regime de “palavras de ordem”) e essa é, felizmente (Almada as escreveu) “É preciso criar a Pátria portuguesa do século XX”. Ainda, porque se perdeu muito tempo sem a criar.” (João Conde Veiga, DN, 9-8-1984)

E dado que “óptimo [se] encontra naturalmente na Gulbenkian, com a grande exposição de Almada Negreiros” e porque “a busca de um caminho europeu, a ligação a uma modernidade definida internacionalmente encontrava em Almada uma íntima relação com a busca de raízes nacionais” ( A TARDE, 26-7-1984) “que nos fica depois desta visita ao Centro de Arte Moderna? A revelação do dramaturgo? A confirmação da aderência a uma Europa efervescente, a um Picasso verdadeiramente moderno? A memória de um desenhador sensível? De um bailarino? De um precursor? Fica o prazer”, diz-nos Paulo Nisa em O Semanário ( SEMANÁRIO, 4-8-1984) não deixando de apontar “moderno” e “Europa” como factores essenciais para a compreensão da escolha de Almada.

É também na intersecção entre os temas ‘moderno’, ‘Europa’ e ‘Portugal’ que o Jornal de Notícias insere a figura de Almada num artigo intitulado “Retrospectiva de Almada, Português e Original” onde se faz alusão às várias fases por que Almada passou, bem como à polémica em torno da sua figura e da sua concepção multidisciplinar do espectáculo: “Almada reúne na sua intervenção a ousadia e o individualismo que lhe possibilitaram ser várias vezes moderno, ou ainda moderno de várias maneiras. […] Assinalando desde o início o conflito entre a “terra” (leia-se Portugal) e a “época”, veio a integrar o seu trabalho criativo no espírito evoluído dos tempos. […] Talvez a capacidade do artista de integrar as várias componentes do acontecimento visual num espectáculo com uma dinâmica própria, em que ele mesmo intervinha directamente, seja uma das particularidades do ser moderno. O espectáculo (a teatralidade que Almada cultivou, ora escrevendo textos para serem representados, ora criando plasticamente situações cénicas) tem aqui um lugar diferenciador. […] as posições que têm vindo a público no decurso desta retrospectiva indicam-nos seguramente uma aceitação nada passiva da sua obra – e que melhor se pode afinal esperar de uma retrospectiva? A par disso, ela mostra […] que Almada Negreiros identifica o próprio século na realidade “mental” e artística do país.” (Jornal de Notícias, 20-9-1984)

Por ocasião da “maior exposição sobre Almada Negreiros, pelo menos de igual envergadura à realizada nos anos 30” (O Diário, 19-8-1984) relembram-se homenagens anteriores, como faz José Augusto França: “Fui vendo a exposição de Almada de 1941 no SPN-SNI, realizando a de 52 na ‘Galeria de Março’, apresentando a que, em 1971, foi integrada na Bienal de S. Paulo, organizada pelo Fernando de Azevedo e a que, em 1979, fez parte da 1ª e única Bienal de Desenho de Lisboa.” (Diário de Lisboa, 20-7-1984) , explicitando o Comércio do Porto que esta exposição “se pretende um ensaio geral para a grande exposição que vai assinalar em 1993 o nascimento do portentoso “português sem mestre”. (Comércio do Porto, 6-8-1984) Há também alusões à popularidade do ciclo, ultrapassando afluência de público da exposição “a média diária de mil pessoas” e tendo o espectáculo Antes de Começar sido visto por “540 pessoas e Deseja-se Mulher por 1.374.” (Comércio do Porto, 6-8-1984)

Ficha Técnica

Organização

MARIA MADALENA DE AZEREDO PERDIGÃO